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“Some of These Days”

Professora e pedagoga Jacqueline Paggioro

Ultimamente meu sobrenome poderia ser Roquentin. Neste momento de distopia e pandemia, a angústia que me acompanha há algum tempo transmutou-se. E, em vinte e dois de maio, ela agora é física– sua melhor definição tem nome: NÁUSEA!

Quem assistiu à reunião daquele que há um tempo me recuso a dizer o nome (me refiro a ele como “inominável”) e seu bando de fanáticos e não teve uma reação parecida perdeu o senso, a noção e a vergonha. Quase três mil mortos, no fatídico vinte e dois de abril – “e daí?!” – mais de cinco mil mortes pela COVID e a quadrilha reunida só queria saber de saquear o país e defender seus interesses.

Como a personagem de Sartre, percebo que ocorreu uma mudança: “Mas onde? É uma mudança abstrata que não se fixa em nada. Fui eu que mudei? Se não fui eu, então foi esse quarto, essa cidade, essa natureza; é preciso decidir”. A náusea é intensa, ela faz parte da existência. Para aplacar esse sentimento releio o romance.

Na contingência do existir, a náusea faz parte desse sentimento inacabado da existência. A arte aplaca um pouco este sentimento. Roquentin deixa claro isso quanto se refere à música de Ella Fitzgerald – que escolhi para dar título a este desabafo –; e, como ele, tento ordenar a realidade.

“Se o mundo ficar pesado Eu vou pedir emprestado a palavra POESIA”

E a distopia se destempera com a insensatez do isolamento vertical e com a piada “quem é de direita toma cloroquina e quem é de esquerda …. tubaína” (em clara referência à um método de tortura), o país tem DEZOITO MIL MORTOS, além do cruel assassinato do menino João Pedro – dentro de casa e pelas costas. De quebra, a rainha Porcina de Brasília vai reencarnar a Regina da Sucata, em São Paulo….

Continua a náusea. Deixo este texto em pausa, me dedico à leitura, aos cursos, à jardinagem e a caprichar nos cardápios. Férias em tempos de pandemia e pandemônio. Preciso buscar minha “essência”.

“Se o mundo emburrecer Eu vou rezar pra chover a palavra SABEDORIA”

Me apoio em dois clássicos da literatura distópica (principalmente pela sugestão do curso de escrita que iniciei): Orwell e Huxley; que nos proporcionaram um pequeno vislumbre para a sandice deste futuro/presente (retomo abaixo o que escrevi em 2016).

O primeiro, em ‘1984’, receava o banimento dos livros, a carência de informações e a ocultação da verdade: ‘A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.’ O segundo, em seu ‘Admirável Mundo Novo’, vaticinou que não existiriam razões para eliminar os livros, pois não haveria ninguém que os quisesse ler, que nos dariam tanto até o ponto em que seríamos reduzidos à passividade e ao egoísmo, que a verdade ficaria imersa em um mar de irrelevância até nos transformarmos em uma cultura banal, preocupada apenas com futilidades: ‘A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão’. Creio que as ideias de ambos não se contrapõem quando as analisamos através das lentes da contemporaneidade, ao contrário, se complementam

Muito vinho, alguns Van Gogh, Ella Fitzgerald e Bossa Nova, especialmente “Manhã de Carnaval”, maravilhosa, para preencher espaços. A náusea transmutou-se, virou NOJO.

“Se o mundo andar pra trás Vou escrever num cartaz a palavra REBELDIA

Se a gente desanimar Eu vou colher no pomar a palavra TEIMOSIA”

E por aqui, o “Voldemort dos trópicos” e sua trupe se ocupando em, acintosamente, aparecer nas redes sociais tomando um copo de leite – prática adotada pelos neonazistas para simbolizar a supremacia racial–; realizando a profecia de suas palavras de que a ditadura deveria matar uns  trinta mil. “É o destino de todo mundo”. Agora a náusea suplantada pelo nojo novamente tomou outra forma: ASCO!!!!!

O mundo indignado, norte-americanos se mobilizando em protestos antirracistas pelo assassinato covarde do segurança negro George Floyd e a pandemia diante da atrocidade ficou em segundo plano. E o pateta mor, mentor do palhaço daqui, ‘meteu o lôco’ acirrando ainda mais os ânimos por lá.  Eu ainda aqui (continuo com vinho), mas agora só Quentin Tarantino com os seus catárticos bastardos inglórios (principalmente Tenente Aldo Raine e Shossanna) para me salvar

Em tempo (antes que pensem que aderi ao fascismo): Catarse é um termo de origem filosófica com o significado de purificação pessoal; provém do grego “kátharsis” e é utilizado para designar o estado de libertação psíquica que o ser humano vivencia quando consegue superar algum trauma como medo, opressão ou outra perturbação psíquica. Como disse Nietzsche, “a arte existe para que a realidade não nos destrua.”

Se acontecer afinal de entrar em nosso quintal a palavra TIRANIA Pegue o tambor e o ganzá

Vamos pra rua gritar A palavra UTOPIA!

Com o legislativo apalermado, o judiciário com o ego ferido e a oposição atarantada, eis que surge o improvável (não que fosse o melhor): movimentos da sociedade civil que se dispõem a fazer frente a esse desgoverno mostrando que somos muitos contra o ódio, a mentira e a negação da ciência e que queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança; justiça social, solidariedade e seriedade no trato com a coisa pública -“res pública”.  O “estamos juntos” precisa ser apenas o começo. Outra coisa impensável: a união das torcidas organizadas de São Paulo contra o fascismo.

E bem disse Paulo Freire, na sua Pedagogia da Indignação: ‘Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes’

 

P.S. As palavras destacadas entre o texto em negrito fazem parte da música “Samba da Utopia”, de Jonathan Silva.

 

Jacqueline é professora e pedagoga há 30 anos. Feminista e de esquerda. Aprendiz de escritora. Contato: [email protected]

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