A bela e frágil senhora chamada Democracia

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A bela e frágil senhora chamada Democracia

Professor "Cadu" é Biólogo, Cirurgião-Dentista, Mestre em Microbiologia, Doutor em Geologia Regional, Professor EBTT no Instituto Federal de São Paulo - Campus Votuporanga

No ano de 2019, um velho sábio sentou em uma pedra, em frente a um grupo de jovens aprendizes que gostariam de saber um pouco sobre política. Procurando uma parte mais confortável para se sentar no rochedo, ajeitou-se, olhou para aqueles rostos curiosos, tirou o chapéu e começou a contar a seguinte história:

Era uma vez um país onde as pessoas passavam quatro anos demonizando os políticos e a política. Elas ficavam horrorizadas com as injustiças, com a criminalidade e a corrupção, diariamente veiculadas na imprensa. Por isso, uma descrença geral tomou conta da população, muitos passaram a não confiar em seus mandatários, quase todos desconfiavam da política. O que é uma pena, pois é de conhecimento geral que os problemas de uma população são e devem ser resolvidos por meio de políticas públicas. A sorte dos habitantes daquela nação é que viviam sob o regime da Democracia

Os jovens interromperam o velho sábio e perguntaram em coro:  – Mestre! O que é Democracia?

O sábio respondeu:É um sistema político que permite a todos expressarem o pensamento com liberdade, sem ofender ninguém, respeitando e sendo tolerante às ideias divergentes. Na Democracia, os interesses públicos estão acima dos pessoais. Há liberdade nas mais diversas expressões culturais, sem censurá-las. As autoridades têm poder para investigar e punir quem pratica ilicitudes e, ninguém, mas ninguém mesmo, está acima das leis. A carta magna é sagrada. Na Democracia não é permitido cometer, e também relativizar, práticas abusivas, como perseguição política, tortura ou outras crueldades. Na Democracia existe uma joia da coroa: as eleições, um sufrágio que permite que as pessoas escolham, livremente, quem vai governá-las.

Dando prosseguimento a sua história, o velho sábio contou que, ao chegar as eleições, aqueles habitantes, que sempre se indignaram com as injustiças sociais e as mazelas do país, começaram…

Um jovem, ansiosamente, o interrompeu novamente e disse: — Já sei, mestre! Eles aproveitaram aquele momento importante, que eram as eleições, para debaterem os grandes problemas que atingiam o país, tentando detectá-los nos planos de governo dos candidatos. Analisaram o passado deles, confrontaram as propostas presentes em suas agendas políticas e, com isso, discutiram quem era o mais preparado para governar o país, observando o sagrado direito de que todos tinham a liberdade de expressarem seus pensamentos e o inescapável dever de respeitar as opiniões divergentes.

O velho sábio abaixou a cabeça e, com ar de desapontamento, disse: —Infelizmente não, meu caro jovem. Eu sei que você viu estas recomendações nos manuais básicos do bom eleitor, mas o que aconteceu naquelas eleições passou bem longe disso. Principalmente por meio de um famoso aplicativo de mensagens de aparelho celular, muitas pessoas começaram a se digladiar, discursos de ódio foram proferidos, clichês baratos e frases de efeito, recheadas de preconceito, foram repetidas a exaustão, amizades de anos foram desfeitas, brigas eram comuns nos grupos de mensagens de família, e o desrespeito, a agressividade verbal, além da intolerância ao contraditório e as opiniões divergentes, correram soltos.

— Como assim, mestre? Isso deve ter prejudicado muito o tão saudável debate político. Observou, perplexo, um dos jovens.

O sábio balançou a cabeça, confirmando a indignação do jovem, e continuou sua explanação: — Na plataforma de mensagens, grupos herméticos se formaram aos milhares – e parece que isso reforçava uma determinada ideia, como um mantra, na qual todos se apegavam – e usuários começaram a defender seu candidato como um cão pit bull raivoso. Emergiu desse mar de desavenças, uma polarização política poucas vezes vista na história daquele pobre país. Foi algo lamentável. Até assassinato por motivos políticos foi registrado. Já imaginaram que absurdo? Para piorar, um recurso começou a ser utilizado por muitos, independente do lado em que a pessoa estava. Um recurso desonesto, covarde, que anda de mãos dadas com a calúnia e a difamação. Um recurso que prejudica muito o debate, que ludibria, engana, tira o foco daquilo que deve ser discutido – a disseminação, na internet, das famosas notícias falsas, conhecidas no idioma britânico como “Fake News”.

Um dos jovens, exclamou: — Mestre, como esses eleitores são imaturos!

Outro aprendiz, o mais tímido da turma, levantou a mão e perguntou, com certo receio, ao sábio: — Senhor! Mas divulgar notícias falsas me parece algo muito desonesto, um crime. Como um cidadão pode cobrar honestidade dos governantes eleitos se ele mesmo se comporta de forma desonesta?

O velho sábio respondeu: — Pois é, meu jovem aprendiz! É um comportamento contraditório, mas que tem nome, é chamado de hipocrisia. Infelizmente, muitos não têm vergonha de se comportar dessa forma.

O mais curioso da turma perguntou: — Mas quem venceu as eleições?

O sábio disse: — Nesse caso, meu caro jovem, não importa saber quem foi o vencedor, pois o maior derrotado foi uma senhora, que saiu muito machucada do pleito que mais pareceu uma guerra. A bela e frágil senhora chamada Democracia.

 

Carlos Eduardo Maia de Oliveira é Biólogo, Cirurgião-Dentista, Mestre em Microbiologia, Doutor em Geologia Regional, Professor EBTT no Instituto Federal de São Paulo – Campus Votuporanga
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