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Corinthians Minha Vida, Corinthians Minha História, Corinthians Meu Amor…

Zé Renato é professor de Filosofia da UniJales

Por Zé Renato
Do autor: Aos ‘anti’, um artigo de autoajuda!

 

O termo pathos, do grego, indica doença e paixão. Doença porque, para os helenos, apaixonar-se era perder a razão, portanto, adoecer. Todavia, o conceito ganhou outra conotação: afastou-se da doença, aproximou-se da paixão. Pelo menos no meu caso. Pensando bem, talvez. Nasci em 1960. Aos sete anos, portanto, em 1967, tornei-me corintiano. Eu e meus irmãos, Zé Alexandre e Zé Roberto. Herdamos esse pathos do nosso amado e querido pai, Zé Toledo. Como nós, devoto do Corinthians

Meu pai contava que se tornara corintiano ao chegar à capital. Início dos anos cinquenta. Nascido em Cruzeiro, interior de São Paulo, no Vale do Paraíba. Havia se mudado para lá em razão do trabalho. Era bancário.
Logo que chegou, encantou-se com o Timão. Verdade seja dita, era fácil: Cabeção, Egídio, Olavo, Oreco e Ari. Roberto e Carbone (depois Raphael), Claudio, Luizinho, Baltazar e Simão (depois Mário). Ataque dos cento e quatro gols.
Porém, ser corintiano é muito mais do que comemorar vitórias. Estamos muito além disso. É entregar-se ao pathos. É possuir um éthos que nos torna, perdoem-me, diferentes, especiais, no melhor e no pior dos sentidos.
Fundado em 01 de setembro de 1910, no bairro do Bom Retiro, criado por operários, italianos, espanhóis…gente sofrida. Trabalhadores. Gente do Povo. O Corinthians sempre abrigou os mais simples, os mais humildes, sem distinção. As velhas arquibancadas que o digam: ser corintiano é ser corintiano, independentemente de ser branco, negro, indígena, rico, pobre… é ser gente.
O Corinthians conquistou o coração do “Seo Toledo”. Graças à São Jorge, e a ele, herdamos o pathos e o ethos.

Em 1967, como disse, o Corinthians estava na draga: o último paulista fora conquistado em 1954. Empate em um a um com o Palmeiras. Gol do Palmeiras: Nei. Gol do Corinthians: Luizinho, o pequeno polegar. Craque canhoto, jogava pela meia; à época era ponta de lança. Fez de cabeça. GRANDE LUIZINHO. Tivemos o privilégio de vê-lo, bem velho, envergar o manto sagrado número oito, no Pacaembu, na estreia de Edmundo, contra o Coritiba. Vencemos de dois a zero. Gols: Marcelinho de falta (óbvio) e Bernardo de cabeça. Edmundo não deixa saudades. ‘…Que se exploda o mundo. Que se foda o Edmundo’ (in Made in Brazil, Roberto Veccione)

Havíamos vencido um Torneio Rio São Paulo, com mais dois clubes em 1966. Não conta.
O barato era o paulista. Estávamos na fila.
O Santos tinha Pelé. “O alma branca”, maldito, adorava fazer gols no Corinthians.
O Palmeiras começava a formar a Academia. Tinha Ademir da Guia, o Divino, filho de Domingos da Guia, zagueiro do Corinthians nos anos trinta. Assombrou o mundo nas copas de trinta e trinta e quatro. Jogou no Boca Juniors.
O São Paulo, time de Laudo Natel, da elite paulistana, ameaçava crescer, depois de pronto o Morumbi.
Só sofrimento.
Em 1968, um sábado à noite, a TV Tupi transmitiu Corinthians e Santos. Não era comum jogos serem transmitidos ao vivo. O Corinthians sem vencer o Santos há dez anos. Estreia de Paulo Borges, ponta direita contratado junto ao Bangu, de onde vieram Domingos da Guia, Ademir, seu filho e Almir Pernambuquinho, centroavante vigoroso, craque e louco. Edmundo perto dele, seria uma freira virgem.
Diogo no gol; Osvaldo Cunha na lateral direita; Ditão na zaga central; Luis Carlos, quarto zagueiro, craque; e Maciel na lateral esquerda. Edson Cegonha volante e Rivellino, armador. Buião, ponta direita; Paulo Borges, jogou de ponta de lança (vestiu o manto sagrado número oito); Flávio Minuano, centroavante e Eduardo, ponta esquerda, outro craque (ele e Lidu, lateral direito vindo do Londrina, morreram tragicamente num acidente de carro). Placar do jogo: Santos zero, CORINTHIANS dois! Paulo Borges, de canhota, da entrada da área mandou uma bomba no ângulo de Claudio. Flávio, depois de entortar Ramos Delgado, zagueiro portenho do Santos, bateu no canto esquerdo de Claudio. Em tempo: Edson acabou com o jogo, junto com Luis Carlos que não deixou Pelé ver a bola.
Não pudemos ver o jogo. Nosso pai assistiu com uns amigos. Nossa mãe, Catharina (que saudades dela. A pessoa mais amorosa e doce que conheci na minha vida), nos colocou para dormir. Ficamos sabendo no café da manhã.
Em tempo: aquilo que relatei no parágrafo acima, vi depois, lances e gols, faz tempo. Da escalação somente não lembrava dos dois laterais. Celso Unzelte me socorreu.
Em 1969 estávamos a um passo de ganhar o “Robertão”. Por um gol, perdemos. O Corinthians empatava com o Cruzeiro em Minas. Perdemos no fim. Lembro da tristeza do meu pai, só não chorou por “vergonha”. Me lembro, na frente de casa, palmeirenses passando com uma bandeira improvisada.
Em tempo: o “Robertão”, torneio Roberto Gomes Pedrosa, era uma disputa que envolvia clubes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e o Bahia. Anos depois, uma canalhice da CBF transformou em brasileiro. Resultado: times que ganharam duas, três vezes no campo, saltaram para seis, sete conquistas. As nossas foram todas vencidas no campo. O ano de 2005 foi meio esquisito. Porém, por exemplo, enfiamos sete a um no Santos.
Oportuno lembrar: a ditadura militar corria solta. Prisões arbitrárias, torturas, assassinatos. Cemitérios clandestinos, para enterrar a ossada daqueles que eram exterminados pelos milicos.
Ao povo restava novela, futebol e alienação.
Recordo-me de um programa de debates na TV Tupi, o tema: o diabo existe? Evidente, estava no poder no Brasil.
Em 1970, o AI-5, maldito, assombrava o Brasil e os brasileiros: matar era a lei. Matar e torturar inocentes. Gente que pensava e agia diferente daquilo que a ditadura exigia (Só vim a entender tudo isso alguns anos depois). Em meio à alienação e imobilismo do povo.
Ano da Copa. Foi a única vez que torci pelo Brasil. Faltava o Luis Carlos na zaga, o Ado tinha que ser o goleiro titular, mas, vai lá.
Nesse ano foi a primeira vez que o “Seo Toledo” levou os filhos ao estádio. Fomos ao Morumbi, ver Corinthians e Santos. Ganhamos de um a zero. Gol de Paulo Borges. Ambos os times estavam desfalcados, por causa da merda da seleção. Porra, não pudemos ver o Rivellino!
São Paulo, bicampeão paulista, 70 e 71. No bicampeonato ganhou roubado do Palmeiras. Armando Marques anulou um gol de cabeça do Leivinha. Alegou uso de mão. Descalabro.
Ainda em 1970, fomos, eu, meus irmãos, nosso pai e nossa mãe, num churrasco no clube Banespa. Fomos com uniformes do Corinthians. Zuados e vilipendiados o tempo todo. Ficamos com raiva. Óbvio. Porém, em nenhum momento aventamos a hipótese de mudar de clube. Como disse: o ethos e o pathos.

No ano seguinte a realização de um sonho. O Corinthians realizou um treino no Horto Florestal. Morávamos relativamente perto, no Alto do Mandaqui. Fomos à pé. Não dormimos na noite que antecedia o evento. Vimos, de cara o Aladim, ponta esquerda que veio do Bangu. Não foi com o ônibus do clube; foi no seu TL azul calcinha, zerinho. Nos deu autógrafos, assinados no teto do automóvel. É vivo em minha memória, nos sentarmos numa mesa e conversarmos com o grande Luís Carlos Gualter. Quarto zagueiro impecável, clássico; jogava limpo. Imortalizado no filme “Boleiros” de Ugo Georgetti, como preparador físico de Caco, craque corintiano, curado por pai Vavá. Nos amontoamos em volta do campo de futebol do Horto para assistir nossos ídolos. Rivellino corria pela ponta esquerda, marcado por Dirceu Alves, meu irmão, Zé Roberto, aos berros, gritava uma atenção, a qual, Riva retribui com um – Oi, tudo bem? Foi um título. Recolhemos autógrafos de todos. Voltamos à noite para casa, extenuados, mas, em êxtase. 1972, 1973, mais ferro. Só derrota

Chegou 1974. Ganhamos o primeiro turno do campeonato paulista. O técnico Silvio Pirilo resolveu disputar o segundo com time reserva, já que estávamos garantidos na final.
Tumulto no jogo de início do novo turno: o Corinthians enfrentou o Botafogo de Ribeirão Preto na “Fazendinha”. Estava zero a zero, Geraldão recebeu na entrada da área, cobriu Butice; a bola bateu no travessão e não entrou. O árbitro deu gol. Treta! A fiel ficou enfurecida. Rivellino enquadrou o calhorda. Resultado. Perdemos de um a zero, com um gol inexistente. Pior: Rivellino iria a julgamento, por agressão ao árbitro. Fodeu!
Depois de alguns dias de insônia e orações, abri o Jornal da Tarde, trazido pelo “Seo Toledo”, nosso pai, cuja manchete estampada dizia: Rivellino pega cinco jogos. Alívio e uma corrida de Puma com Tião na marginal.
“Menos mal”, Riva estaria na final.
Ocorre que a final seria com a Academia do Palmeiras: Leão, Eurico, Luis Pereira, Alfredo Mostarda e Zeca. Dudu e Ademir da Guia. Edu, Leivinha, Cesar e Ney.
O Corinthians: Butice, Zé Maria, Baldochi, Brito e Wladimir. Tião e Rivellino. Vaguinho, Lance, Zé Roberto e Adãozinho.
O primeiro jogo foi um a um. Edu abriu o placar e Lance, de cabeça, num escanteio, empatou para o Corinthians. Zé Roberto perdeu o gol da virada com o gol vazio. Tudo seria decidido no domingo.
Palmeiras um a zero. O Corinthians apático, quase imóvel. Rivellino perplexo.
Cá entre nós: hoje, com um mínimo de lucidez, não dava. Seria um crime contra o futebol, o Corinthians ser campeão em cima daquele timaço do Palmeiras. Dia 22 de Dezembro de 1974. Amargo presente de natal. A família, a maioria porcada, “sapateou no nosso saco”.
Em 1975 Rivellino foi posto para fora do Corinthians. Uma campanha imunda do putrefato J. Hávila, bandido, dono da Trafic, metido em conluios criminosos com o “capo” da CBF, Ricardo Teixeira. O maldito morreu recentemente. Já foi tarde.
O Fluminense começou a montar a máquina tricolor. Francisco Horta, seu presidente, contratou Rivellino, Paulo Cesar Caju, Mario Sergio…montou um timaço.
Sábado de carnaval: tomamos um sapeco do Fluminense. Rivellino marcou três. Lance foi expulso, acusado de agredir o árbitro (na verdade, quem o chutou foi o Vaguinho).
Lance suspenso por um ano. Formado em jornalismo, produziu uma matéria para o Jornal da Tarde acerca do jogo Corinthians e Santos: um a um.” Cesar Maluco”, contratado pelo Corinthians, perdeu um pênalti.
Quem eventualmente pensou que a derrota em 1974 arrefeceria os ânimos dos corintianos: chupa! A torcida aumentou. Cresceu exponencialmente.
O São Paulo foi campeão paulista. O brasileiro ficou com o Internacional. Venceu a máquina tricolor no Maracanã e venceu o Cruzeiro no Beira Rio. Gol de Figueroa.
1976 eclipsava a carreira de Ademir da Guia. O Corinthians tinha Geraldão, centroavante do Botafogo de Ribeirão Preto; Romeu, genial ponta esquerda do Atlético Mineiro; Givanildo, volante do Santa Cruz. Com a expulsão de Rivellino, já havia contratado Basílio, junto a Portuguesa de Desportos. Trouxe Adilson, meia direita do Paissandu –faleceu no mesmo dia que John Lennon, seu Puma capotou e incendiou na BR 116. Contratou Ruço, junto ao Madureira.
O Palmeiras foi campeão paulista. O XV de Piracicaba vice.
Não importa. Fomos para a semifinal do campeonato brasileiro. Era um regulamento esdrúxulo. Grupos, para atender os interesses políticos eleiçoireiros. O Internacional era de longe o melhor time, seguido do Fluminense.
O Corinthians chegou à semifinal contra o Fluminense. Jogo no Maracanã. O time carioca era infinitamente superior (hoje a lucidez me permite reconhecer).
A partida é memorável: o Maracanã foi dividido. Cariocas e paulistas, meio a meio. A famosa “invasão” de corintianos. Mais de cem mil pessoas no estádio.
O jogo terminou empatado: um a um. O Fluminense inaugurou o marcador, gol de Carlos Alberto Pintinho. Ruço, de meia bicicleta, empatou. Prorrogação: empate. Pênaltis. É lícito citar: o jogo transcorreu em meio a um temporal absurdo. Não havia como a bola rolar. São Jorge cooperou.
Nos pênaltis, Tobias pegou três. Neca, Moises, Ruço e Zé Maria, o último, converteram as penalidades. Derrotamos os cariocas.
Devo confessar: senti Rivellino apático, perdido. Não estou acusando-o de “corpo mole”, absolutamente; talvez Riva tremesse em jogos decisivos. Foi semelhante à final de 74. Não estou condenando. Adoro Rivellino. Honrou nosso manto. É o camisa dez do meu Corinthians de todos os tempos.
O jogo decisivo foi no Beira Rio, contra o Internacional. Mais uma confissão: só um pathos exacerbado poderia nos fazer torcer e crer numa vitória do Corinthians. O time gaúcho era absurdamente superior. Numa disputa correta, de pontos corridos, seria campeão há muito.
Perdemos de dois a zero.
Cá entre nós: seria mais um crime contra o futebol o Corinthians ter vencido.
Não nos importávamos com brasileiro, muito menos Libertadores. Não significavam nada. Contava o paulista. Creio que era mais importante para todos os clubes grandes de São Paulo. Era um torneio extremamente valorizado. Além do que, o Corinthians tinha uma postura provinciana. Era o fodão da zona leste de São Paulo. Mas, o amávamos acima de tudo.
Em 1977 o Atlético Mineiro tinha um esquadrão: Toninho Cerezo, Paulo Isidoro, Reinaldo – o grande Reinaldo, intelectual, inimigo da ditadura, craque fenomenal, um dos maiores centroavantes que vi jogar –, e ainda havia Ângelo, grande meio campista e Marcio na zaga.
O São Paulo era treinado por Rubens Minelli, bicampeão pelo Internacional. Era um time bem acertado, sem craques. Injustamente, foi campeão.
O Corinthians contratou Palhinha, meia esquerda do Cruzeiro. Sete milhões de Cruzeiros. Uma fortuna.
Jogaríamos a Libertadores. Não ligávamos a mínima. Recordo de uma entrevista recente de Basílio, o amado Basílio, que declarou que os jogadores não viam a hora de serem eliminados da Libertadores, para concentrarem-se no Paulista.
Fomos para a final contra a Ponte Preta de Campinas. Timaço: Carlos, Jair, Oscar, Polozi e Odirlei. Vanderlei Paiva, Marco Aurélio e Dicá. Lucio, Rui Rei e Tuta.
No Corinthians: Tobias (Jairo jogou a segunda partida), Zé Maria, Moises, Ademir Gonçalves e Wladimir. Ruço, Basílio, Palhinha (na final Luciano, pernambucano, de Pesqueira, grande jogador), Vaguinho, Geraldão e Romeu. (Adãozinho jogou a primeira).
No primeiro jogo, uma quarta-feira à noite, mal dormimos, acordamos e tínhamos que trabalhar. Era office-boy no Banco Real. Combinamos que sairíamos mais cedo do trabalho, afinal…
Cinco e meia estávamos prontos. Nos encontramos na Paulista, esquina com a Brigadeiro Luís Antonio. Trabalhei com a camiseta dos Gaviões debaixo de um agasalho.
Fomos de “busão” até o Morumbi. Noite meio fria, apesar de ser primavera. Até começar o jogo, era uma espera interminável.
Vencemos de um a zero. Gol de Palhinha. Uma bola lançada por Adãozinho, Palhinha entrou na área, tocou na saída de Carlos, o goleiro espalmou, a bola veio no rosto do atacante corintiano e entrou.
Foi muita felicidade. Voltamos a pé para casa. Não tinha mais ônibus.
Agora era só no próximo domingo, para fechar o caixão.
Alugamos o ônibus do Rubão. Sairíamos da porta do colégio que estudávamos, “EE Prof. Roldão Lopes de Barros”, no Parque Klabin. Fomos para o Morumbi. Porém, não com o busão. A aflição era tamanha, e, como Rubão não chegava, pegamos uma carona. Fomos no aperto. Chagamos por volta da uma hora da tarde. O jogo era às quatro.
Aguardar e sofrer.
Começou. Vaguinho fez um a zero. E assim terminou o primeiro tempo. No segundo, Dicá empatou, cobrando falta (era exímio nisso) e Rui Rei virou.
Perdemos.
A dor e a tristeza eram incomensuráveis. Era a sensação da morte, do fim.

Todavia, quinta feira, 13 de outubro, era o último jogo. Havia a fé. Palhinha não jogaria e Tobias voltaria ao gol. O Corinthians estava confiante. O Morumbi receberia novamente mais de cem mil pessoas. Como nos jogos anteriores. Por volta dos trinta e quatro minutos do segundo tempo, depois de Carlos operar alguns milagres e a Ponte Petra jogar com um a menos (Rui Rei fora expulso), uma falta na lateral direita. Zé Maria levantou a bola na área, Vaguinho pegou de canhota, a bola foi no travessão, Vladmir cabeceou, Oscar tirou-a na linha, no rebote, Basílio tocou-a com o pé direito, para o fundo do gol. Êxtase. “Dionisíaco total”. Êxtase. Preces, gritos e palavrões até o final da partida. Detalhe: não fomos ao estádio. Assistimos ao jogo em casa, com nossos pais; eu, meus irmãos Zé Alexandre, Zé Roberto e Matheus e minha madrinha, a tia Ikiza. Ao final estouramos champanhe. Fomos para a Paulista celebrar. O mundo era outro. Na manhã seguinte não houve aula. Muitos não foram trabalhar: nas ruas só festa. A Praça da Sé estava lotada de corintianos que cantavam: –Ão, Ão, Ão, Corinthians campeão, pau no cu do meu patrão! O Corinthians tem um componente estoico, filosofia da Grécia Antiga, está na sua gênese: a vida somente vale pelo viés do sofrimento, pela dor, é sua premissa essencial. Foi libertador. Até hoje se discute, qual título é mais importante para o Corinthians: a Libertadores, o Mundial ou Paulista de 77? Minha resposta é simples e lúcida: TODOS.

Em 1977, em meio ao triunfo alvinegro, houve a invasão da Pontifícia Universidade Católica. Certa noite, depois dos estudantes organizarem e realizarem uma passeata contra a ditadura, a PUC foi invadida pela polícia– a mando do governador Paulo Egídio. No meio das aulas, os agentes entraram armados, com cães e gás lacrimogênio. Prenderam estudantes, depois de agredi-los e espancá-los.
Um ano antes, Manuel Fiel Filho e Santo Dias, operários, foram mortos sob tortura.
Dois anos antes, 1975, o jornalista Wladimir Herzog foi preso, torturado e assassinado. Numa cena patética, horrorosa e nojenta, a mando da ditadura, seu corpo foi posto numa cela, com um cinto no pescoço; pretendendo simular um suicídio. Quem pediu sua prisão e torturas foi o imundo, bandido, condenado, José Maria Marin. À época, deputado estadual da ARENA, partido da ditadura, sob a alegação de que Vlado (carinhosamente assim chamado) era comunista. Portanto, atentava contra a segurança nacional. (Qualquer semelhança com a realidade não é coincidência. É tristemente real).
Estávamos sob a vigência do AI-5 (objeto de desejo dos bolsominions).
Em 1978, Vicente Matheus, déspota, que se julgava dono do Corinthians, verdade seja dita, doente pelo clube; punha dinheiro do próprio bolso – chegou a dar uma Mercedes Benz de sua propriedade para Rivellino, a título de luvas, para o craque renovar contrato. Simplório de formação, malandro nos negócios, começou uma história que queria contratar Chicão, volante do São Paulo. Na verdade, negociava às escondidas, a contratação de Sócrates, craque, gênio do Botafogo de Ribeirão Preto. O São Paulo contava com a venda de Chicão, para buscar Sócrates.
Matheus chegou primeiro. Sócrates era médico, boêmio e intelectual. Era jogador de futebol, não atleta. Vinha de uma rara geração de divindades da bola: àqueles que pensavam antes de executar um lance. Faziam-no em frações de segundos, antecipavam à mesmice, à obviedade. Estão no panteão: Zizinho, Didi, Pelé, Tostão, Cruyff, Ronaldo, Gamarra, Gerson, Zico, Messi e Maradona.
O campeão paulista foi o Santos, treinado por Formiga. Timaço: Juari, João Paulo…
O título brasileiro ficou com o Guarani. Um time encantador: Neneca, Mauro, Gomes, Edson. Zé Carlos, Renato e Zenon, Capitão, Careca e Bozó. Um espetáculo.
A descrição futebolística pode sugerir que nos esquecemos de um câncer que atravessava a vida dos brasileiros: a ditadura militar.
No ano de 1979, dez anos de Gaviões da Fiel, a maior torcida uniformizada do Brasil, criada pelo jornalista Chico Malfitani, tinha como objetivo: lutar contra a ditadura no Corinthians, um verme chamado Wadih Elu, deputado estadual pela ARENA, comandava o clube como se fosse seu. Além disso, a torcida combatia também a ditadura militar que comandava o Brasil como se fosse seu.
Ainda em 1979, o General Geisel entregou a faixa presidencial para o General Figueredo. Depois de Geisel conter a tentativa golpista de Silvio Frota, realizara o período da distensão, um caminho lento para a abertura política. Tudo sob a batuta do General Golbery do Couto e Silva.
Figueredo assumiu com o intento de realizar aquilo que se nominou a “transição democrática”. A abertura, lenta, gradual e segura.
Tirou os óculos ray-ban escuros, marca dos generais, mudou o semblante sisudo e carregado, para um jeitão mais simples: o estilo “deixa que eu chuto”, criado pelo genial dramaturgo Flávio Rangel.

A Abertura Política extinguiu o bipartidarismo. Liberou o nu frontal nas revistas (lembro bem), permitiu a edição de uma série de livros censurados, filmes, peças de teatro, músicas. Pudemos ouvir ‘Cálice’ de Chico Buarque e Gilberto Gil, por exemplo. Finalmente a música ‘Caminhando’ de Geraldo Vandré pôde ser executada. Os exilados começaram a voltar: Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes, Fernando Gabeira, Paulo Freire, Betinho, dentre outros. O jornalista Gabeira, um dos participantes do sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick, publicou ‘O que é isso Companheiro?’, um relato amargo da luta armada. O tempo nos mostrou o que é Gabeira. ‘O Bêbado e a equilibrista’, obra-prima de João Bosco e Aldir Blanc, embalou o movimento da anistia. Era tocada nas reportagens do retorno dos exilados

O Corinthians formou uma dupla genial: Sócrates e Palhinha. Fomos campeões paulista em 1979. Não foi a mesma emoção. 77 era recente.
Palhinha deixou o Corinthians em 1980. Foi para o Atlético Mineiro. No ano seguinte o Corinthians contratou Zenon, meia esquerda, craque do Guarani. O catarinense estava jogando em Jedah, Arábia Saudita. Geraldão saiu, assim como Ruço e Basílio. Vaguinho se aposentou. Romeu foi embora.

Com o silêncio dos sábios, aos poucos, Sócrates começava a realizar movimentos revolucionários no futebol. Citava Marx em entrevistas, para explicar condições de jogadores e criticar aquilo que nominava “estruturas reacionárias do futebol”. Sócrates é da mesma estirpe de Casely, craque, ponta direita chileno, do Colo Colo e da seleção. Recusou-se a cumprimentar o ditador Pinochet. O verme estendeu-lhe a mão, Casely, de gravata vermelha, deixou-o “no vaco”. Em resposta, sua mãe foi presa e torturada a mando do ditador. Sócrates possui o sangue de Muhammad Ali, se recusava a mediocridade, ao medo e a omissão. Expunha-se, corajosamente, contra tudo e contra todos que significassem injustiça e opressão. Demonstrou isso no momento da renovação de seu contrato. Não se curvou aos ditames de Matheus, o qual tratava a instituição Corinthians como sua. Se recusava a atender minimamente os jogadores

Matheus pagou aquilo que Sócrates entendia ser justo: trinta milhões de cruzeiros por ano. Em tempo: perto do que ganham muitos medíocres hoje, é pouco.
O Internacional foi campeão brasileiro invicto em 1979.
Em 1980 e 1981, o São Paulo foi bicampeão paulista.
O Flamengo foi campeão brasileiro em 1980 e no ano seguinte, o Grêmio. O time gaúcho era muito inferior ao São Paulo, vice, devolvendo a injustiça de 77.
Em 1978 votei pela primeira vez: para Senador, votei num marxista, professor da USP, “exilado” pela ditadura: Fernando Henrique Cardoso (?) e para deputado estadual, no escritor e jornalista Fernando Morais, que acabara de publicar “A Ilha”, uma narrativa sobre a Cuba de Fidel, pós-revolução. Um relato apaixonado e verídico. Por isso, até então, censurado pela ditadura.
Desde 1974 havia uma discussão, entre intelectuais, operários e igreja católica, acerca da formação de um partido operário.
O biênio 1978-79 trouxe ao mundo as greves do ABC. O sindicato dos metalúrgicos enfrentou a ditadura e o AI-5 (os bolsominions até gozam quando leem esse nome). Nelas despontou uma nova liderança: o baiano. Na verdade, um pernambucano de Garanhuns, terra de Dominguinhos, chamado Luis Inácio da Silva. Também conhecido como Lula. Brilhante na oratória, na compreensão do momento. Carismático, falava, encantava e emocionava. Foi preso pelo DEOPS.
Saiu da cadeia como lenda.
No ano de 1979, Gilberto Gil lançou o sublime “Realce”, no qual apresentou uma versão de “No woman no cry” de Bob Marley. Como disse o jornalista Tarso de Castro: Gil havia feito uma cirurgia. Colocou cristal na garganta. Que voz…Que disco…
Caetano Veloso lançou “Cinema Transcendental” que incluía “Vampiro” de Jorge Mautner, a pérola “Cajuína”, “Trilhos Urbanos”, por exemplo. Um Clássico.
Chico Buarque de Holanda lançou um LP com “Cálice”, “Apesar de Você” (embalou o movimento pela anistia e as Diretas-Já), “Tanto Mar”, por exemplo. Um ano antes, havia lançado um LP com “Mulheres de Atenas”, “Pedaço de Mim” e “Meu Caro Amigo” (Essa fazendo alusão à ditadura), dentre outras riquezas.
A obra “Ópera do Malandro” foi encenada no Rio de Janeiro. Inspirada na dramaturgia de Brecht e Wiell, Chico tropicalizou-a, genialmente. Lançou também o disco. GENIAL.

Além das greves do ABC, da abertura política, do fim do maldito AI-5 (tchau querido…), a cena cultural do Brasil modificou-se: o cinza chumbo foi substituído, lentamente, por um caleidoscópio, um mosaico multicor: começou-se a erguer uma aura de sonhos, um clima agradável de utopia e felicidade nunca sentidas. O cinema trazia filmes sem cortes, antes censurados. A televisão minimamente apresentava algum conteúdo menos alienante. A finada TV Tupi, em 1981, pouco antes do ‘último suspiro’, apresentou um programa chamado ‘Abertura’, sob o comando de Glauber Rocha! Pudemos assistir ‘Laranja Mecânica’ de Stanley Kubrick, ‘O Último Tango em Paris’ de Bernardo Bertolucci, ‘Saló’ de Pier Paolo Pasolini, dentre outros. Desde 1977 há em São Paulo a ‘Mostra Internacional de Cinema’, a qual trouxe muitas obras geniais para os apaixonados por cinema

O “Alfavela”, bar na Avenida Henrique Schauman, explodia de alegria, de festa. Cachaça maravilhosa. Paulinho e Maravilha faziam um duo. No repertório o “Clube da Esquina”, o som das Minas Gerais, sempre presente na vida dos jovens brasileiros, sonhadores e inimigos da ditadura.
Os Bares do Bixiga, “Taverna Boemia” e “Café Brasil”, em especial, construíam o clima, a aura de ventos utópicos e maravilhosos. Parecia que a ditadura estava sofrendo um exorcismo.
Rita Lee e o Tutti-frutti, Terreno Baldio, Joelho de Porco, Premeditando o Breque, Língua de Trapo, Sossega Leão, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Banda Sabor de Veneno, Barão Vermelho, Luis Melodia (gênio da raça), a definitiva entronação de CARTOLA no panteão das divindades da música.
E o curintia? Calma. Voltamos a ele.
Sócrates já era uma referência definitiva. Zenon já estava no plantel, assim como o zagueiro uruguaio Daniel Gonzáles (morto, anos depois, de forma trágica num acidente de automóvel), Alfinete, craque, lateral direito, vindo do XV de Jaú. Na zaga central, Mauro, filho do terrão (TODO PODEROSO TERRÃO), assim como o goleiro Sollito e o imortal Vladmir. Em 1978, Vicente Mateus trouxe do Sport Recife um jovem volante chamado de Biro-Biro, o qual comporia o meio campo com outro conterrâneo, Paulinho. Ambos, além de Zenon e Sócrates armariam as jogadas de ataque. Ataliba veio do Juventus, da Rua Javari. Depois de nos infernizar várias vezes. Numa delas fui testemunha: no Morumbi. Atacamos o jogo inteiro, perdemos gols aos montes; no final da partida, Wilsinho carregou uma bola pela ponta esquerda, cruzou na área e Ataliba fez de cabeça. Perdemos.
O centroavante é um capítulo à parte: novamente o “TODO PODEROSO TERRÃO” entra em cena. Valter Casagrande Junior, craque goleador, havia sido emprestado para a Caldense de Minas Gerais. Artilheiro, voltou ao Corinthians com a incumbência de substituir Geraldão.
No jogo de estreia fez quatro gols contra um time de Brasília. Nem lembro o nome. Estou com preguiça de pesquisar. No domingo: Corinthians e Palmeiras. Vencemos por cinco a um. Casagrande fez apenas três. Sócrates e Biro Biro completaram o massacre.
O que aconteceu? Casão começou a se transformar em lenda. Ficou amigo de Sócrates. Apolo e Dionísio começaram a se organizar. Fodeu. Para a ditadura e para os adversários. Era a juventude rebelde de Casagrande e a Louca lucidez de Sócrates. O menino da Penha e o médico de Ribeirão Preto. Química perfeita. Entrosavam-se dentro e fora de campo. Mais fora que dentro, talvez…Não! Dentro e fora. Azar da mediocridade.
O Corinthians foi bicampeão paulista, 82 e 83. Mas, é o de menos. Definitivamente, em 1982, acabou a dinastia de Vicente Mateus. Valdemar Pires venceu a eleição, trouxe um jovem sociólogo, Adilson Monteiro Alves, para ser o diretor de futebol. O mundo do futebol nunca mais seria o mesmo.

Em 1982 voltamos a eleger vereadores, prefeitos (em alguns municípios), deputados estaduais, deputados federais, senadores e governadores. Foi a primeira eleição que o PT disputou. Casagrande posicionou-se a favor do partido. Durante o ano os jogadores do Corinthians, em particular, Sócrates, Casagrande e Vladmir, passaram a se posicionar publicamente. Recordo-me de um jogo contra o América de São José do Rio Preto, no qual o Timão entrou em campo com um camisa, estampada nas costas: ‘Dia 15 Vote’. Este mesmo trio, juntamente com Adilson Monteiro Alves, passou a falar da ‘Democracia Corintiana’. Uma ação cujo mote era: nada será validado, se não houver um pleito

O time do Corinthians passou a ser querido e aplaudido por todos. As narrações de Osmar Santos deixavam o clima ainda mais agradável, emocionante.
Vale ler o livro “Casagrande e seus demônios”, no qual Casa nos conta passagens fascinantes.
Lembro de um show de Rita Lee, no ginásio do Ibirapuera. Durante a música “Vote em mim”, Sócrates, Casagrande e Vladmir, subiram ao palco, dançaram com a musa. Qual time faz isso?
Casagrande e Vladmir participaram do filme “Onda Nova” (1983) de Ícaro Martins. Uma sátira do universo do futebol, sob a ótica das mulheres, jogando-o. Teve ainda a participação de Olívio Pires Pita, meia esquerda do terrão, que teve rápida passagem pelo clube.
No ano do bicampeonato, o ambiente estava meio deteriorado, pois, o Corinthians contratara Leão, para o gol, nazista assumido, apoiava Maluf e a ditadura. Era inimigo da democracia corintiana. Inimigo confesso de Casagrande.
Ao final da partida que deu o título ao Corinthians, um a um com o São Paulo, foi perguntado a Casagrande como ele se sentia, a resposta foi rápida: aliviado.
Por ser um jovem cabeludo, de esquerda, que gosta de rock, vindo da periferia, rico e famoso, corajoso, Casagrande era odiado pela repressão. Foi preso, acusado de portar drogas, já se sabia que era dependente químico. Sofreu todo tipo de agressão e vilipêndio, por puro falso moralismo e canalhice.
Em 1984 foi emprestado ao São Paulo. Sócrates já havia acertado com a Fiorentina. Porém, esse foi o ano das “Diretas-Já”.
O final do ano futebolístico foi melancólico, como foi o brasileiro: a derrota da emenda “Dante de Oliveira”, a qual pretendia restabelecer as eleições diretas para presidente da república, fora realizada entre a noite de 24 de abril e a madrugada do posterior. A data escolhida para seu enterro é o aniversário do nefasto José Sarney, líder do PDS (ex-ARENA, portanto, partido da ditadura). O cafajeste Flávio Marcílio, presidente da câmara dos deputados, não compareceu à sessão, alegando: Vou assistir à novela. A emenda nem chegou ao Senado.
Poucos dias antes, houve um comício no Vale do Anhangabaú, com mais de um milhão e meio de pessoas. Antes, uma concentração na Praça da Sé, comandada por Osmar Santos – O pai da matéria -, sempre emocionante, com um pronunciamento de Sócrates: Se a emenda Dante de Oliveira passar, não saio dessa porra de país.

A emenda não passou, Sócrates saiu dessa porra de país. Foi jogar na Fiorentina, time do qual fez parte, e é uma lenda, como Júlio Botelho, o Julinho, ponta direita vindo da Portuguesa para o Palmeiras, o qual calou o Maracanã, ao entrar no lugar de Garrinha, sob vaias estrondosas, calou a todos, obrigando-os a aplaudirem-no de pé. A seleção brasileira venceu a inglesa por dois a zero: um gol de Julinho, o outro, passe (me recuso a falar assistência) seu. Tive a honra de conhecer Júlio Botelho, apertar sua mão, quando fui bater uma bola, numa quadra do bairro da Penha, na capital. Tão íntegro, recusou a convocação para a Copa de 58, sob a alegação de jogar no exterior. Júlio Botelho, em Florença, tem a mesma estatura de Botticelli

Sócrates não era um atleta, foi um dos maiores craques da história do futebol, na Itália, preocupou-se mais em aprimorar-se como ser humano, com sua ação política, ao invés de jogar, ainda assim, também é uma lenda.
O final do ano futebolístico também foi frustrante, o Fluminense de Parreira foi campeão. Um time medíocre, defensivo, que sobrevivia das jogadas e conclusões isoladas de dois jogadores desprezados em seus clubes anteriores: Washington e Assis.
O Corinthians foi eliminado pelo Fluminense, em pleno Morumbi, numa partida na qual, Sócrates arrastava-se em campo, sem nenhum preparo físico. Um time apático, semimorto. A química entre Casão e o Magrão, futebolisticamente falando, tinha chegado ao eclipse.
Um suposto supertime criado em 1985, com Casagrande no meio campo, não saiu do papel.
Até 1988, passamos a seco.

Nesse ano, no dia de meu aniversário e de meu irmão, Zé Alexandre, fomos à sua casa para assistir à final do Paulista, contra o Guarani. No primeiro jogo, no Morumbi, houve empate: um a um. Neto fez de bicicleta para o bugre, Edson, ex-Ponte Preta, empatou para o Corinthians. Não tínhamos mais Sócrates, nem Casagrande, ambos na Itália. Jogo empatado no tempo normal, foi para a prorrogação. Nela, numa bola rebatida, depois de um chute de Wilson Mano, Viola (vindo do TODO PODEROSO TERRÃO), desviou para o gol. Vencemos

Somente em 1990, já com Neto envergando o manto sagrado número dez, fomos campeões brasileiros. Momento importante para nós, corintianos, pois, acordamos para a necessidade de deixarmos o provincianismo.
Digno de nota: mais um paulista em 1997. Todavia, o biênio 1998-1999, caracterizou-se pelo bicampeonato brasileiro, com um dos maiores times já construídos na história do clube: Dida, Índio, Batata, Gamarra e Sylvinho. Vampeta, Rincón, Marcelinho Carioca e Ricardinho, Mirandinha e Edilson. Detalhe, Dinei (DO TODO PODEROSO TERRÃO), entrava no segundo tempo, no lugar de Mirandinha, para liquidar as partidas.
1999, Dida, Índio, João Carlos, Nenê e Kleber. Vampeta, Rincón, Marcelinho Carioca, Ricardinho, Luizão e Edilson.
Só sacode. Uma surra atrás da outra. Passeamos. Todavia, a Libertadores, ainda era um sonho. Lembro da eliminação para o Palmeiras, 1998. Tive certeza de que morreria enfartado. Sei o que é o gosto da morte. Após o jogo, conversava por telefone com o Zé Roberto, foi uma das ligações mais tristes que fizemos na vida.
Éramos zuados pelos são paulinos: Não tínhamos passaporte.
O Corinthians percebeu que precisava dar mais um salto: já era poderoso em termos nacionais, necessitava a consagração internacional.
O torcedor, pathos total, sempre agiu na dicotomia amor-ódio, todavia, quando entra em campo, é o amor-ágape, incondicional que move o time e o torcedor.
A sonhada e obsessiva Libertadores veio somente em 04/07/2012, depois de purgarmos no inferno: em 2007 fomos rebaixados à série B. Chorei, em dezembro de 2007, no momento da queda.
No ano seguinte, na série B, foi uma “gozolândia”: sapecamos quase todos. No jogo que definitivamente subimos, estávamos no Pacaembu. Foi emocionante, a torcida cantando: O coringão voltou, O coringão voltou….
Somente àqueles que têm o privilégio de terem sido ungidos pelos deuses do futebol, a bênção de São Jorge, são capazes de sentir o que escrevo.
Ganhamos o brasileiro de 2005. Meio esquisito, é verdade. Porém, verdade seja dita, todos os campeões têm máculas em suas histórias, sempre há um senão, uma ação criminosa, intencional ou não de arbitragens favorecendo, de esquemas da CBF. Alguém duvida? Afinal a Casa Bandida do Futebol tem ex-presidente preso, com tornozeleiras eletrônicas, foragidos; gente que não pode sair do país, para não ser guardado pela Interpol. Gente que faz negociatas em nome da tal seleção brasileira. Tenho desprezo pela seleção. Torço contra desde a copa de 74. Continuo assim. Nem em 82 me comovi. Dei risada com a eliminação. Seleção, nem se todos os onze fossem do Corinthians. Ainda mais agora, verde e amarelo são as cores dos bolsominions.
Em janeiro de 2000, nos tornamos campeões mundiais. O timaço do biênio 1998-99, sofreu algumas mudanças, mas também era fenomenal.
Em 2012 fomos campeões invictos da Libertadores.
Escrevi uma coluna no jornal em que meu fraterno amigo e compadre Jão trabalhava, cujo título é: A verdadeira declaração de independência.
Assisti ao jogo aqui em Fernandópolis, com minha sogra, Dona Sonia, corintiana, por causa de meu cunhado Alfredo. Lembrei do meu pai na hora.
Em 16 de dezembro, ganhamos o mundial, derrotando o Chelsea. Gol de Paolo Guerrero. Um idiota, deixou de ser Deus, por uns trocados a mais, esteve no Flamengo e agora no Internacional. Perto daquilo que viveu no Corinthians, está no ostracismo. Ao menos cumpriu a promessa. Disse: No Brasil, só jogo no Corinthians.
O Corinthians internacionalizou-se. Nossa torcida espalha-se no planeta. Não é terceirizada como a do flamiennngo. É nossa. É do CORINTHIANS.
Ficou muito fácil ser corintiano, principalmente a partir dos anos noventa. Com a Libertadores, abandonamos o estoicismo. Passamos a entender que não é necessário sofrer. Em parte, devemos um pouco ao Parreira, treinou o time em 2002-03, ganhamos um paulista uma copa do Brasil (nem falei delas, tanta conquista…os “rivais” se giletam). Porém, Tite, ao assumir em 2011, deu um salto na vida do clube: a Libertadores vencida invicta e o Mundial, deram à instituição a certeza de que o clube é muito maior do que uma paixão local, provinciana.
Fomos campeões brasileiros em 2011, 2015 (um dos maiores times da história do Corinthians, minha opinião) e 2017.

O ano de 2015 tem um momento que oscila entre pathos e ethos: em setembro de 2000, no dia dez, perdemos nosso pai. “Seo Toledo” faleceu. Meu pai e mãe foram vítimas do mal de Alzheimer. Num sábado, 26 de fevereiro, nossa mãe “Cathi” se foi. Saudade é uma dor insuportável. Faleceu em Cambuí. Morava com meu irmão Zé Alexandre, minha cunhada Carmeli, meus sobrinhos Rafael e Bruna. Viveu cercada de cuidados e, sobretudo, de amor. Nos deixou. Seu sepultamento ocorreu em São Paulo, junto com meu pai. Estávamos lá, cercados de parentes, amigos, pessoas que amamos e nos amam. Foi triste. Depois do sepultamento fomos almoçar na casa de nossa tia Terezinha, irmã de minha mãe. Cercados de amor, de carinho, nos alegramos, pois era o que nossa mãe mais gostava: estar junto com sua família. Comemos e bebemos. Zé Roberto informou-nos que tinha ingressos para o jogo que ocorreria à tarde, na Arena Corinthians: Corinthians e Mogi Mirim. Decidimos ir. Afinal, minha mãe gostava de alegria e amor. O pior já ocorrera. Fomos, junto com os primos Marcos e Diego. Foi a primeira vez que fui a nossa nova casa. O Corinthians sapecou três a zero: Jadson abriu o placar; um golaço de fora da área, depois de cortar dois zagueiros e bater cruzado no ângulo; Guerrero fez o segundo (talvez seu último gol com o manto sagrado) e Luciano fechou a conta. Ao mesmo tempo que sofríamos pela perda de nossa mãe, estávamos felizes com o Corinthians, mas do que pela vitória, por nos permitir nos reunir em torno de um jogo, coisa que não fazíamos há tempo. Só Corinthians tem esse poder: substituir Thanatos por Eros; neikos por philia. Quem mais tem esse pathos? Esse ethos?

Também é lícito relatar: em 2010 nos mudamos para Fernandópolis, interior de São Paulo. Eu, a Jacqueline, minha mulher e meus filhos Isabelle, Sophia e Perseu. A mudança da capital para o interior foi benéfica sob todos os aspectos. Todavia, o maior presente foram os amigos: o Jão, a Janaina, Vinicius, João Flavio, Tarsila e Dona Odicéia; Osvaldo, Bela.
Narro aqui como conheci meu fraterno amigo, agora compadre João Leonel. Para mim, ele é Jão e eu sou Zé. (gostamos de nomes pomposos).
Eu e a Jacqueline trabalhávamos no mesmo colégio, eu, professor de Filosofia, ela, coordenadora pedagógica, na EE Joaquim Antonio Pereira. Minha aluna do terceiro ano (esqueci o nome dela), ganhou um concurso chamado “Jovem Senador”. O Jão é jornalista. Foi até o colégio fazer uma matéria sobre o ocorrido. Tinha terminado a aula.
Achei estranho: cabeludo, barrigudo, como eu. Entrei na sala. Notei sua agenda com o símbolo sagrado. A Jacqueline disse-me que o Jão tinha estudado Filosofia. Seu telefone tocou: som de rock. Não tive dúvidas: o Jão tinha que ser meu amigo. De modo geral, aquilo que nos uniu foi o Corinthians: o pathos, o ethos.
Passei a frequentar sua casa, às quartas, sábados e domingos. Assistimos muitos jogos juntos: o Jão, a Janaína, o João Flávio e eu. Tristezas? Algumas. Alegrias? MUUUUUIIIITAS.
O Corinthians foi fundamental para a nossa amizade.
Estou em aula, jogo do Corinthians, sai gol, o Jão liga para avisar. No meio da aula? Óbvio. Nos tornamos compadres e comadres: eu e a Jacqueline batizamos a Elis. Agora já era, somos família. Quem nos uniu?

Contudo, é importante retomar o pathos e o ethos de ser corintiano: o ar putrefato da ditadura militar voltou a exalar no Brasil: o golpe que derrubou Dilma Rousseff, o surgimento do bozo e dos bolsominions; o deprimente processo eleitoral, feito à base de Fake News, bravatas, mentiras, ódio destilado à enésima potência, racismo, homofobia, transfobia, xenofobia, nacionalismo fascista, nazismo, negação da Ciência e da História, pseudo religiosidade hipócrita e canalha, dividiram o Brasil: de um lado àqueles que queriam o retorno definitivo da dicotomia casagrande-senzala, daqueles que queriam exterminar de uma vez com as poucas conquistas dos trabalhadores, da gente sofrida, a qual, em sua maioria, é a gênese do corintiano; do outro, àqueles que não suportam injustiças, exclusões, negações e racismo. Esse é o lado que, a maioria ao menos, dos corintianos, torcedores, escolheram. Esse é o lado que a Gaviões da Fiel, fundada por Chico Malfitani, optou, para lutar. O Corinthians é isso! O corintiano é isso!

O pathos, o ethos, juntam-se a uma disputa muito além, muito superior a uma simples partida de futebol. Ser corintiano é combater essa escrotidão putrefata que cobriu o Brasil.
Além de se posicionar contra o inominável desde as eleições, os torcedores do Corinthians foram às ruas, bradar, novamente, por democracia e liberdade. Agora o inimigo é muito pior: é o nazifascismo bolsominion. Pusemos os babacas para correr. Não tiveram coragem de encarar a Fiel.
Novo e grande ato, no domingo posterior, agora junto com torcedores de Palmeiras, São Paulo e Santos. Pela democracia, pela liberdade, contra o nazifascismo. Gaviões à frente.
Nova passeata. Os bolsominions estão perdidos: acharam o Queiroz; o pequeno moro, rato, abandonou o buraco; Weintraub teve de fugir; a pandemia escancara o descaso com a saúde e à vida; desemprego e pobreza campeiam no Brasil; investigações contra as Fake News avançam. Alexandre de Moraes, juiz do STF, faz um pronunciamento de voto pela continuidade das investigações das tais fakes, tomando água numa caneca, com qual distintivo? O símbolo sagrado: TODO PODEROSO TIMÃO.
A casa parece cair para os bolsominions, o infectado bozo e sua “familícia”. Tomara.

Nós corintianos seguimos firmes! Contra a opressão, contra o nazifascismo, contra as injustiças, contra todas as segregações. O Corinthians é a negação de tudo isso. É sangue no olho. É tapa na orelha. É jogo da vida. Com o Corinthians não é brincadeira! Preciso falar mais de pathos e ethos?

Zé Renato é professor de Filosofia da UniJales
[email protected]

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