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Um brasileiro chamado Rolando Boldrin

Eu vim-me embora
E na hora cantou um passarinho
Porque eu vim sozinho
Eu, a viola e Deus.
Vim parando assustado,
Espantado
Com as pedras no caminho
Cheguei bem cedinho
A viola, eu e Deus

(Trecho da canção intitulada “Eu, a viola e Deus”, cujo compositor é Rolando Boldrin).

Pense na simplicidade e na sabedoria do homem que vive no campo e no interior das diversas regiões do país. Conheça suas experiências, suas relações sociais, o cotidiano marcado pelo contato direto com a natureza, a culinária saborosa, o artesanato e o folclore. Conheça suas crenças, sua fé, as histórias, os sonhos e as paixões. Agora, imagine essa bonita realidade abordada em um programa televisivo e expressada por meio de poesias, poemas, crônicas, causos (não é erro ortográfico, essa palavra pode se escrever dessa forma), um bom bate papo e muita música popular ao som de ritmos e temas regionais, como a que inicia esse artigo.

Boldrin divulga esse universo que marcou a vida de muitas pessoas que nasceram e viveram no ambiente rural ou em pequenas cidades interioranas do Brasil

Pois bem! Toda essa riqueza cultural é retratada em um programa de TV apresentado pelo grande compositor, poeta e cantor Rolando Boldrin, exibido no canal de TV Cultura, aos domingos, às 10 horas. Com seu carisma e do alto dos seus 82 anos de idade (com vitalidade e lucidez de um jovem adulto), Boldrin divulga esse universo que marcou a vida de muitas pessoas que nasceram e viveram no ambiente rural ou em pequenas cidades interioranas do Brasil. Gente simples, humilde e trabalhadora.

A fim de mostrar aos meus leitores um pouco do que é abordado nesse projeto maravilhoso, reproduzo, nas próximas linhas, um poema chamado “Crônica do Tempo”, recitado por Rolando Boldrin (que também é o compositor da obra), ao som de um violão, emocionando seus telespectadores e as pessoas que estavam no teatro onde o seu programa é gravado.

“Se o senhor tiver tempo para ouvir a minha história, eu começo lhe contando que toda a minha vida foi um grande desencontro entre o tempo do relógio e as oportunidades. Deus, nosso Senhor, perdoe-me minha sinceridade como um segredo, mas até hoje não entendi, porque é que para tudo em minha vida, eu sempre cheguei muito tarde ou muito cedo. Para começar, nasci fora do tempo – sou de 7 meses – e, se foi cedo demais para dar dores e tristezas à minha mãe com essa minha pressa de nascer, foi tarde demais para dar alegria ao meu pai. Coitado! Ele morreu antes de me conhecer. E aí começa o meu rosário com o tempo do relógio. Já na idade de ir para a escola foi um tormento. Minha mãe, coitada, corria pra lá e pra cá comigo, de mão dada, e sempre recebendo o mesmo desengano, coitada: não pode dona, só para o ano que vem, é cedo ainda; ou então: tarde demais dona, as matrículas estão todas fechadas. Com o tempo, eu fui crescendo. Já mocinho, procurava emprego, porta de oficina, serviço diferente, coisa de pequena paga, e aquelas palavras do tempo me seguindo. Sempre acontecendo comigo como um relógio do destino: olha moço, não tem vaga! Se você tivesse sido esperto… Agora o quadro de operário já tá completo. Eu me lembro que até para o amor eu me atrasei. Quando para aquela cabocla que eu gostava me declarei, ela falou para mim: você chegou tarde demais, já dei meu coração pra outro rapaz. Mesmo assim um dia me casei. Desse casamento nasceu um menino bonito que só vendo. Foi a única coisa que me chegou na hora certa, porque ele foi a porta aberta para meu riso. Riso que eu já nem sabia mais como era o jeito. Dei a ele o nome de Vitório. Ia ser o meu grande vingador. Pra me vingar do tempo, para me vingar das horas, dos relógios, até dos segundos e de tudo. Vingar-me até dos donos desses relógios. Vitório, meu grande vingador! Vitório foi crescendo como pôde e logo já tinha 5 anos. E a vida, o tempo, o tempo como um inimigo traidor, sempre me espiando. Um dia, Vitório adoentou-se, como acontece com qualquer criança. Eu trabalhava em um faz de tudo ao mesmo tempo, para nenhum remendo lhe faltar. Eu tinha esperança – em um dia só fui camelô, bilheteiro, entregador de encomenda, jardineiro, tudo. Chegava em casa moído e fedorento de suor para lhe abraçar e lhe beijar. E o coitadinho encolhido, magrinho, dava dó, estava sofrendo… Então o Doutor, trouxe ele (homem bom, atencioso), depois de examinar, disse assim: corre, vai depressa comprar essa receita, seu filho não está bom, quem sabe com isso ele se ajeita. E chacoalhando a cabeça, foi-se embora, quem sabe aconselhando uma promessa. Como não tinha dinheiro para o remédio, dei de garra num velho e a única coisa de valor, pensando que pudesse vender num brechó. Sai correndo, sai correndo e, até hoje, não entendi porque ouvi uns gritos na rua: pega ladrão! Pega ladrão! E gente amontoando para meu lado, quem sabe imaginando que eu era um malfeitor. E foi soco, bordoada e ponta pé. E quando pude perceber, já estava de pé, na frente de um delegado: Doutor! Meu filho está doente, está morrendo. Por favor! Eu tenho aqui uma receita, oh! E supliquei chorando… O tal delegado, acreditando, falou para o guarda: pega o carro da radiopatrulha, leva o moço! E me entregando um pouco de dinheiro do seu bolso, arrematou: corre, corre, compra o tal remédio para seu filho na farmácia! Eu fui-me embora correndo, correndo, comprei o remédio, voltei feito um raio, feito um raio lá pra casa, mas como sempre na vida, corri contra o tempo, esse covarde. Quando abracei meu filho, é que eu vi, mas uma vez eu tinha chegado tarde…”

Simplesmente emocionante! Boldrin não somente recitou esse poema, mas também encarnou o personagem da obra. Tanto que, quando terminou de declamá-lo, ficou de cabeça baixa e chorou, fazendo a plateia aplaudi-lo, efusivamente.

Ele é um verdadeiro artista que com seu trabalho valoriza e divulga a rica cultura popular do nosso país, especialmente as tradições regionais, em tons, formas e cores variadas, mostrando-nos, de modo simples, esse universo, como simples são as pessoas que ajudaram a criá-lo ao longo da história brasileira, como simples é o jeito de ser desse grande brasileiro chamado Rolando Boldrin.

 

P.S.: Leitor, para assistir à emocionante declamação desse poema por Rolando Boldrin, Clique Aqui.

 

Carlos Eduardo Maia de Oliveira é Biólogo, Cirurgião-Dentista, Mestre em Microbiologia, Doutor em Geologia Regional, Professor EBTT no Instituto Federal de São Paulo – Campus Votuporanga
[email protected]

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