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O mestre Quentin em plena forma

Zé Renato é professor de Filosofia da UniJales

Perdão Quentin.
Cheguei a duvidar de sua genialidade.
Errei feio.
É gênio.

“Cães de Aluguel”, “Pulp Fiction”, soberbos, obras de gênio. Kill Bill ? Fraquinhos.
Vieram “Bastardos Inglórios”, “Django Livre”. O que dizer? Já os vi mais de cem vezes. Arrebatadores. Aula de cinema.
Edição revolucionária, planos mirabolantes, sequências de tirar o fôlego, enquadramentos de câmera incomuns. E a trilha sonora? Única.
Ninguém consegue ser Tarantino mais que Quentin.
Depois da quinta vez que assisti “Era uma vez em Hollywood”, me ajoelhei. Sim, para reverenciar o gênio.
John Ford, Howard Hawks, Clint Eastwood, Copolla, todos reverenciados e citados.
O caubói Jacke Cahill de “Rick Dalton” /Leonardo Di Caprio, oscila entre os caubóis sem nome de Eastwood e o estereótipo forjado por Gary Cooper, via John Ford. Se aproxima muito de Will Munny de “Os Imperdoáveis”. Alguém que perdeu o “bonde da história”, porém, luta com dignidade para sobreviver. Sabe que seu tempo passou. Por que não pensar no “Bronco Billy”, do mesmo Clint?
As citações ao espaguete-western, a Sergio Corbucci, são sublimes.

Quando Rick Dalton filma um James Bond italiano, há uma bela passagem: a travessia na ponte móvel se abrindo – muito comum em filmes de ação dos Estados Unidos -, há uma narrativa, a qual atribui créditos à película. Direção Antonio Marguerite. Lembram de ‘Bastardos Inglórios’, os soldados norte-americanos disfarçados de produtor, diretor e ator italianos? Uma cena patética, onde, sem saberem o mínimo do idioma, estão às voltas com o nazista poliglota. O genial Christopher Waltz. Mais que metalinguagem. É cinema em estado puro. É arte. Leonardo Di Caprio merecia o Oscar

O personagem de Brad Pitt é o maior de todos. Contido, sem afetações, atua de forma magnífica. Causa a falsa impressão que é inexpressivo. É Burt Reynolds. O máximo, dentro de sua grandeza, cujo brilho é menor que de outros astros. Nem por isso, muito brilhante.
Brad Pitt/Cliff Booth desfila, com um anti-charme, um anti-galã. Eclipsa os demais. Um ar meio blasé, um certo desdém com tudo. Muito cinismo. ESPETACULAR!

A cena em que soca Bruce Lee – adorei -, merecidamente, para puni-lo de uma blasfêmia proferida: ousou se comparar a Mohamed Ali/Cassius Clay. Mereceu.
A cena provocou polêmica. Mais um mito “agredido” pelo sarcástico Tarantino.
É cinema! Pode tudo.

O mesmo Bruce é redimido, na sequência em que prepara Sharon Tate/Margot Robbie, para filmar ‘Matt Helm contra o mundo do crime’. Detalhe: assisti a esse filme, num corujão da Globo, com meu pai. Aliás, Margot Robbie está espetacular. Já havia brilhado em ‘Lobo de Wall Street’, de Martin Scorsese, com Leonardo Di Caprio

A sequência na qual Sharon Tate/Margot Robbie vai ao cinema assistir ao filme, como mera espectadora, se delicia, se encanta com a obra, refazendo sua atuação por puro prazer…é Eros em festa.
Declaração plena de amor ao cinema.
Ao retomar o escroto Charles Mason e seu grupelho, recria o Rancho Spahn, de fato existente. Um ambiente inóspito, árido, com odor fétido de suas pregações.
O próprio Mason é apenas citado. Não merece mais que isso.
Cliff Booth conversa com o moribundo dono. Cena antológica, com o velho e talentoso Bruce Dern. Patética e emblemática, metáfora perfeita da antiga era de ouro que agoniza como o personagem.
O final do filme é Tarantino em êxtase: subverte, genialmente, a história, como em “Bastardos Inglórios”. Como gostaríamos que fosse: nazistas trucidados, metralhados e incendiados…agonizando. Sem hipocrisia: me levaram aos céus. Podemos dizer o mesmo dos fascistinhas/prebostes de Mason: devorados pela cadela de Booth; espancados, socados até a morte.

A cena de Booth socando a ressentida/mal-amada seguidora de Mason, batendo sua cabeça até a morte, é orgásmica. A velha e única estilização da violência de Quentin. Sua marca invulgar. Leva Sam Peckinpah às alturas. Dá-lhe orgulho tamanha reverência. Todavia, a violência de Tarantino é estética, cômica, possui um propósito de catarse, de celebração, não de apologia. Babacas trucidados. A paz volta a reinar. O dublê-herói/Burt Reynolds, injustiçado, Cliff Booth salvou a todos. Como o herói, ferido, retira-se como Rick de Casablanca. A vida comum, o bem-estar de todos, está em primeiro lugar. Para ele basta um pãozinho pela manhã. Depois que Rick Dalton queimou uma das fascistinhas, com o lança-chamas de um antigo filme, é hora de acabar. Pronto. Corta!

Ao final, o convite para Rick juntar-se em celebração aos Polanski, especialmente Sharon Tate, parece um fim de tarde dos westerns de John Ford: plano aberto, o herói, lentamente se desloca no seu cavalo para uma nova aventura. Talvez seja a última. Talvez tenha sido.
Seu mito revive.
É cinema. É a velha Hollywood.
Amém Quentin!

 

Zé Renato é professor de Filosofia da UniJales
joserenatostb@hotmail.com

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