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Não devemos celebrar 31 de março de 1964, porém, nunca esquecê-lo!

Professor André Luiz da Silva crava: "as calhordas diretrizes adotadas pelo MEC serão um retrocesso para nossa já tão frágil educação pública"

João Goulart discursava para milhares nas ruas, e sem dúvida, as ruas sempre foram ameaças aos poderosos. Desde que foi eleito como vice-presidente e assumiu em 1961, com a renúncia do controverso Jânio Quadros, era alvo de certa desconfiança por parte do Congresso e dos militares. Sua posse se deu mediante um acordo que reduzia seus poderes presidenciais, algo que foi revertido através de um plebiscito em 1963, quando ocorreu uma consulta à população sobre qual modelo de governo seria adotado no Brasil, o parlamentarismo instaurado em 1961 ou o presidencialismo. Goulart saiu fortalecido com a escolha pelo presidencialismo

Durante seu governo estatizou empresas estadunidenses que estavam com contratos em vias de vencimento e que lucravam sem arcar com as responsabilidades assumidas. Tais medidas foram encaradas das piores formas possíveis pelos EUA, e o adjetivo que criminalizava, demonizava, tornava-o inimigo dos valores cristãos e da liberdade foi empregado a marteladas: comunista.

Jango não tinha apoio entre a maioria da Câmara, por isso foi às ruas. Nas ruas e no Congresso, ao lado dos deputados do seu partido, defendeu a Reforma Agrária, tendo muito apoio dos grupos ligados ao PCB, partido que estava na ilegalidade. Entre o público que o assistia alvoroçado, muitas bandeiras com foices e martelos eram levantadas. Frases que remetiam à luta pela terra e a revolução. Poucos sabiam que no palanque não estava um comunista, mas um trabalhista e como tal, um reformista, não um revolucionário. Mas entre frases de efeito, símbolos e discursos de esquerda, a imagem de Jango, colada a de Vargas, um anticomunista, foi sendo resignificada publicamente para a de um líder nos moldes de Fidel, Lênin e Mao.

Goulart e seus aliados criticavam o imperialismo dos EUA, e se colocaram pró-Cuba em uma possível intervenção na ilha debatida no governo de Kennedy. Não faltaram indícios de uma proximidade na política internacional com o bloco socialista, encabeçado pela URSS. Inclusive, Jango foi convidado a ir aos EUA e foi conversar diretamente com o político mais poderoso das Américas. Entretanto, Goulart era trabalhista, herdeiro da política de Vargas. O Trabalhismo seria a versão brasileira da Social Democracia, algo bem distinto do comunismo. Mas entre os fatos e a histeria não existem barreiras definidas, a ficção da revolução comunista encabeçada por Goulart tomou conta dos corações e mentes brasileiros. Era necessário às elites civis e aos EUA evitarem que o Brasil se tornasse outra Cuba? Sim. E isso foi a base para a conspiração. Mas a pergunta em si é: Goulart e seus aliados tinham realmente condições de articular tal feito? O que há de história por trás dessa luta de representações?

Enquanto as brigas internas no país se desenrolavam, a presença dos EUA no financiamento de campanhas midiáticas contra Jango e a compra de apoio no Congresso para derrubá-lo foram sendo articuladas. Uma parte muito influente das Forças Armadas, embebida das ideologias do Plano Marshall e do anticomunismo estadonovista, via o presidente Goulart como uma ameaça. Apesar de ainda existirem grupos internos ao exército que apoiavam o presidente, já que o tenentismo dos anos vinte estava diluído também no discurso trabalhista, estes não representavam a maioria junto ao alto escalão das Forças Armadas.

Os EUA, informados pelo embaixador Lincoln Gordon de que o Brasil caminhava para se tornar uma nova Cuba, apoiaram o Golpe, financiaram a queda de Goulart e enviaram porta-aviões para o litoral para dar retaguarda às forças do Exército na operação chamada ‘Brother Sam’. A ideia de uma revolução para conter o golpe comunista foi marcada pela ideia de que existiam grupos paramilitares comunistas capazes de assumir o controle do país, a semelhança de Cuba. Esta questão já foi e continua sendo enfrentada pela historiografia em inúmeros trabalhos de renomados pesquisadores, dos quais cito Carlos Fico

Por trás, com seus tentáculos, os EUA, no Brasil, os empresários, os latifundiários e a grande imprensa. A marcha pela Família com Deus pela Liberdade deu o tom de que a ameaça iria destruir nossas instituições e o cristianismo. A população dos grandes centros, que ainda tinha algum contato com questões políticas, foi influenciada a crer que a democracia estava em risco. O interior dos Estados, como a população rural de regiões como Fernandópolis-SP, não tinha quase nenhuma informação. Porém 1964 marcaria uma mudança na vida de todo um país.

Tudo foi arquitetado e posto em prática em 31 de março de 1964, a conspiração derrubou Jango. Nos dias seguintes a pergunta que não queria calar: onde estavam os comunistas? A derrubada do governo não teve uma luta, nenhuma resistência armada? Quem foi preso e quais os grupos paramilitares foram enfrentados naquele momento? Não havia ninguém além dos velhos nomes, o presidente pegou um avião e fugiu sem organizar uma batalha, frustrando a muitos que o viam como líder. Goulart não era um guerreiro, era um político do palanque, da oratória e retórica. De qualquer modo, acharam enxadas em sindicatos, mas nenhum conflito direto com revolucionários. O tal fantasma do comunismo continuava sem nome, endereço, CEP, rosto… Comunistas eram Brizola e Jango? Talvez o próprio Luis Carlos Prestes? Entretanto, onde estavam os comunistas revolucionários que iriam tomar o país? Afinal, não estávamos à beira de uma revolução comunista?

 A distância entre os fatos e a construção da ideia de uma ameaça comunista pode ser vista como uma releitura trágica da batalha de Dom Quixote versus os moinhos de vento.  Para além de qualquer partidarismo, 1964 foi um movimento que os contemporâneos foram influenciados a pensar que se tratava de uma revolução democrática, mas foi um golpe político numa longa tradição de golpes da história brasileira. Não temos o que comemorar, mas sim, enfrentar a história deste período que é e sempre será de extremismos e violência, de censura e ignorância generalizada

Os 21 anos de ditadura, torturas, repressão, endividamento do Estado, inflação, corrupção… 21 anos em que a maioria da população do país desconhecia o que se passava em Brasília, nos porões do Doi-Codi e nas ruas dos grandes centros. Em meio a tanta repressão, extremismos borbulharam, guerrilhas urbanas, sequestros e roubos a bancos por parte de grupos formados, em grande parte, por jovens com menos de 30 anos. Militares morreram, militantes morreram, soldados que acreditavam que estavam defendendo a pátria contra o comunismo, comunistas que mal compreendiam o que ocorria na URSS perderam suas vidas. Entretanto, de maneira ilegal para as próprias leis da época, tivemos uma das piores cenas de nossa história recente: a tortura. Enquanto nossa democracia sangrava, nossos jovens morriam, as empresas estadunidenses instaladas no país lucravam como nunca. A Reforma Agrária não foi concretizada. A corrupção nas instituições aproveitou-se da falta de oposição da imprensa.

João Goulart morreu em 1976, exilado na Argentina, em sua certidão de óbito é afirmado que o mesmo teve um ataque cardíaco. Após a autópsia feita em 2014, novas hipóteses sobre o fato do ex-presidente ter sido envenenado ganharam espaço midiático, porém, tudo é muito inconclusivo. Até o momento, Goulart é visto de diferentes maneiras pelos brasileiros, uns o evocam como um político que se opôs ao sistema e foi alvo de um golpe por isso. Entre os que evocam a Revolução de 1964, Goulart era um líder comunista. Para uma parte dos que apoiaram Goulart, mas não tiveram suas expectativas atendidas com sua fuga, a visão sobre ele beira a covardia.

Enquanto nossos vizinhos, como o caso do Chile, enfrentaram as memórias dolorosas da Ditadura de Pinochet, levando os torturadores aos tribunais, no Brasil, a Lei de Anistia, de 1979, seria a assinatura que faltava para o quadro de horror de nossa história recente. Nenhum torturador poderia ser preso. Assim como os presos políticos que sobreviveram foram libertados e os exilados podiam voltar. Mesmo com a redemocratização, os crimes cometidos longe dos olhos da população, atos de extrema desumanidade para com mulheres e crianças, não foram postos em pauta e quando foram postos, com a Comissão da Verdade, a mesma enfrentou todo tipo de crítica e relativismo. Não adianta perguntar para seu tio, avô, vizinho… o que nós historiadores investigamos não chegava ao conhecimento dos populares. Nós historiadores temos compromisso em apontar as falsificações.

Em 2019, no mês de março, após retornar de uma visita ao presidente dos EUA, Donald Trump, o presidente eleito democraticamente, Jair Bolsonaro, militar durante os anos 70 e 80, embebido pela visão difundida pelo governo militar sobre a Revolução de 1964, colocou que a data devia ser alvo de celebrações pelo Exército. A pergunta em si é: o que devemos celebrar? Talvez a ‘estupidez humana’, como diria Renato Russo

 

André Luiz da Silva Professor Universitário Doutor em História pela UNESP/Franca andre_historiador@hotmail.com

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