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INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E O MUNDO DO TRABALHO: ganhos e perdas, algumas reflexões

André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Formalizada em 1990 por Salovey e Mayer, a inteligência emocional é um construto psicológico considerado recente e constitui um dos aspectos da inteligência mais discutidos na atualidade, vista como um pilar para o sucesso dentro e fora do trabalho. Segundo o que propõem Salovey e Mayer (1990), os seres humanos se distinguem por certo tipo de inteligência social, vinculada ao autoconhecimento emocional (capacidade para descrever e comunicar os próprios sentimentos), ao controle das emoções (reter as emoções, sem as reprimir, mas direcioná-las segundo a situação e o momento mais oportuno), ao reconhecimento das emoções alheias (sensibilidade em relação aos sinais não verbais de outrem) e ao controle das relações sociais (eficácia interpessoal). Em outras palavras, a inteligência emocional (IE) é habilidade para “monitorar os sentimentos e emoções próprias e dos outros, discriminar entre eles e usar essa informação para guiar pensamentos e ações” (SALOVEY; MAYER, 1990, p. 189, tradução livre).
Embora a IE tenha sido considerada, supostamente, um novo construto na psicologia científica e viesse preencher a lacuna sobre diferenças individuais deixada pelos tradicionais estudos da psicologia, ela seria um tipo de inteligência diferente da personalidade e, como ciência, ignoraria a “relação entre a condução adequada das emoções de um indivíduo e o alcance do bem-estar, social e profissional” (ROBERTS; FLORES-MENDOZA; NASCIMENTO, 2002, p. 78). É prematuro, porém, considerar que a IE seja esse novo construto científico, uma vez que as evidências sobre a sua natureza e estrutura não são suficientemente sólidas, subsistindo problemas conceituais e de mensuração. Isto, porém, não a desqualifica como objeto de estudos nem desconsidera a aplicabilidade de seus princípios e competências sugeridas para as organizações.
Em 1995, a inteligência emocional, conhecida graças a Daniel Goleman (1995), professor da Universidade de Harvard, se popularizou (ROBERTS; FLORES-MENDOZA; NASCIMENTO, 2002; WOYCIEKOSKI; HUTZ, 2009) e, em pouco tempo, passou a integrar o vocabulário de diversos segmentos da sociedade. Apesar de Goleman (1995) não ter oferecido uma definição conceitual clara de inteligência emocional, ele se apoiou em pesquisas sobre o cérebro, as emoções e a conduta para esclarecer, em “linguagem acessível e persuasiva, as concepções em torno da inteligência de tipo emocional”. Tomou por base o conceito inicialmente formulado por Mayer e Salovey (1990), concebendo uma perspectiva ampliada de IE, acrescentando diversos atributos da personalidade às habilidades cognitivas, como: capacidade de “motivar a si mesmo, de perseverar no empenho apesar das frustrações, de controlar os impulsos, de adiar as gratificações, de regular os próprios estados de ânimo, de evitar a interferência da angústia nas faculdades racionais, de sentir empatia, de confiar nos demais etc.” (ANDRADE NETA, GARCÍA; GARGALLO, 2008, p. 12).
Roberts, Flores-Mendoza e Nascimento (2002, p. 77) justificam o interesse pela IE supondo que “pessoas com melhor gerenciamento das próprias emoções são aquelas que provavelmente são mais bem sucedidas no mercado de trabalho e apresentam melhor qualidade de vida”. Esses autores ainda consideram que, em uma “época altamente tecnológica e competitiva, mas com baixo nível de emprego, o investimento na IE surge como uma alternativa promissora para aumentar o potencial de empregabilidade”.
Mesmo sendo amplamente difundida, Mayer, Salovey e Caruso (2002) criticam o uso do termo inteligência emocional para fazer alusão a áreas da personalidade que vão além da emocional e da cognitiva; também julgam inadequada a teoria de Goleman por considerá-la científica, porque, segundo os pioneiros do conceito, ela “foi inicialmente apresentada como uma narrativa jornalística de [sua] própria teoria [de Salovey e Mayer]” (MAYER; SALOVERY; CARUSO, 2002, p. 88), sem reportar uma formulação teórica própria. Primi (2003) também faz uma análise crítica da construção da IE e aponta que a proposta de Goleman não foi submetida à avaliação por pares nem ofereceu respaldo empírico. Vieira-Santos (2018, p. 81) aduz que, posteriormente, a proposta de Mayer, Caruso e Salovey (1999) aperfeiçoou a primeira definição feita por Salovey e Mayer (1990), mas, sem validação pela comunidade acadêmica, esse construto foi desacreditado e, com isso, muitos achados importantes foram negligenciados.
Primi (2003) adverte que não partiu de Goleman (1995) a criação do conceito de IE, mas de Peter Salovey, John Mayer e David Caruso (SALOVEY; MAYER, 1990). A concepção divulgada por Goleman é diferente da concepção original desses autores e inclui aspetos muito mais amplos do que originalmente foi proposto para inteligência emocional, além de algumas afirmações como a que propõe a inteligência emocional como mais importante do que a inteligência tradicionalmente medida pelos testes psicométricos, o que não é verdade (PRIMI, 2003). Segundo Primi (2003), atualmente, existem duas acepções para IE: a mais popular, proposta por Goleman (1995), inclui características tradicionalmente estudadas nas teorias de fatores da personalidade; a segunda abordagem (definição original da inteligência emocional) diz respeito à capacidade cognitiva, menos conhecida.
Todavia, a “definição da inteligência emocional depende da definição da inteligência, emoção e sobre sua interação” (PRIMI, 2003, p. 72). Uma dessas definições esclarece que inteligência é a capacidade de adaptação ao meio, favorecida por fatores cognitivos (maior conhecimento de informações sobre a cultura, por exemplo, facilitaria a adaptação do indivíduo ao meio, ou maior compreensão de eventos complexos – inteligência fluida elevada – que pode oferecer vantagem adaptativa, ou, na criança, alta capacidade de processamento auditivo, que facilitaria a compreensão dos padrões sonoros complexos da comunicação oral dos adultos).
No âmbito do trabalho, a diversificação do ambiente profissional tem trazido diferenças e constantes mudanças que implicam permanente educação para o equilíbrio de sentimentos, crucial para o desempenho no ambiente laboral, os relacionamentos interpessoais e a vida. Essas alterações têm trazido, sobretudo na área de Gestão de Pessoas, desafios que impactam profundamente as funções tradicionais de Recursos Humanos (RH), uma vez que causam “rupturas no que tange à gestão de pessoas nos diferentes contextos profissionais” (SANTOS; CRUZ, 2019, p. 7), que vão além de simples modismos. No alcance de resultados dentro da organização, a inteligência emocional aporta a necessidade de conhecimentos para a gestão efetiva do ambiente de trabalho, aumento de competências, lide das emoções e melhora na eficácia para o sucesso profissional e pessoal.
A IE procura explicar como a inteligência, segundo a compreensão tradicional, se articula às condutas e mentes do ser humano e como seu conhecimento pode ajudar as pessoas a lidarem melhor com suas emoções para alcançar metas: trata-se, pois, do estudo das interações entre emoção e inteligência (WOYCIEKOSKI; HUTZ, 2009).
Para Mayer e Salovey (1997, p. 15 apud ARRUDA, 2018, p. 46), a inteligência emocional é definida como a “capacidade de perceber acuradamente, de avaliar e de expressar; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção e o conhecimento emocional; e a capacidade de controlar emoções para promover o crescimento emocional e intelectual”. Arruda (2018, p. 47) elenca as habilidades essenciais para se atingir a inteligência emocional, que inclui a capacidade de: a) “perceber, avaliar e expressar corretamente uma emoção”; b) “gerar ou ter acesso a sentimentos” que facilitem a “compreensão de si mesmo” ou do outro; c) “compreender as emoções e o conhecimento derivado delas”; e d) controlar (equilibrar) as “próprias emoções para promover o crescimento emocional e intelectual”.
A Inteligência Emocional ficaria conhecida como a “[…] habilidade para reconhecer o significado das emoções e suas inter-relações, assim como raciocinar e resolver problemas baseados nelas. A inteligência emocional está envolvida na capacidade de perceber emoções, assimilá-las com base nos sentimentos, avaliá-las e gerenciá-las” (MAYER; CARUSO; SALOVEY, 2000, p. 267). Vieira-Santos et al. (2018, p. 80) sintetizam as capacidades da IE: a) perceber as emoções (identificar emoção e conteúdo emocional em si, nos outros, em objetos e situações, e expressar adequadamente as emoções); b) usar as emoções para facilitar o pensamento e a tomada de decisão (gerar, identificar e refletir sobre emoções que auxiliem na resolução de um problema); c) conhecer as diversas emoções e saber usar esse conhecimento para melhorar a compreensão das emoções; d) regular ou gerenciar as emoções em si e nos outros, saber perceber, conhecer e utilizar as emoções.
Depreende-se que a inteligência emocional envolve competências que impulsionam a eficácia e o desempenho dentro das organizações. Dentre essas competências, merecem destaque, segundo Goleman, Boyatzis e Mckee (2002), Bertoldi (2013), Goleman (2007,2015), Nascimento (2020) e Sousa (2020):
– a autoconsciência ou autopercepção: competência emocional fundamenta, refere o conhecimento das próprias emoções, pontos fortes, fraquezas, necessidades e motivações; pessoas autoconsciente não são excessivamente críticas nem irrealisticamente esperançosas, mas honestas consigo e com os outros, reconhecem como seus sentimentos afetam a elas, a outras pessoas e ao seu desempenho;
– a autogestão: nasce do autoconhecimento e refere a habilidade em lidar com as sensações de forma adequada, afastando a ansiedade, a tristeza, a irritabilidade;
– o autodomínio, autocontrole ou autodisciplina: capacidade para conquistar a liderança; reforça a integridade como virtude pessoal e como mais-valia organizacional; compara-se a uma contínua conversa interna, que liberta da prisão dos próprios sentimentos e proporciona controlar as emoções diante de mudanças;
– automotivação:  mobiliza emoções em direção a um objetivo ou à consecução de metas, viabiliza a produtividade e a eficácia da organização: pessoas buscam desafios criativos, amam aprender e se orgulham de um trabalho bem feito;
– empatia: nasce da autoconsciência, do saber colocar-se no lugar no outro; é a mais facilmente reconhecida, porque considera os sentimentos dos outros nas decisões inteligentes;
– gestão de relacionamentos: constitui a aptidão individual para gerir as relações com os demais na organização;
– habilidade social: cortesia com o propósito de mover pessoas na direção desejada, promove ampliar o ciclo de conhecidos e a destreza em encontrar pontos em comum com pessoas de todos os tipos, construindo harmonia.
Quanto às motivações, Goleman (2007 pg. 58) comenta que inteligência emocional é a capacidade de “criar motivações para si próprio e de persistir num objetivo apesar de percalços, de controlar impulsos e aguardar pela satisfação dos seus desejos, de se manter em bom estado de espírito e impedir que a ansiedade interfira na capacidade de raciocinar, de ser empático e autoconfiante”. Portanto, a IE cria motivações para que o indivíduo persista em seus objetivos, controle as emoções e alcance sucesso na vida profissional ou pessoal. O controle das emoções contribui para manter um bom raciocínio, permite solucionar problemas e torna o indivíduo mais autoconfiante dentro da organização (SOUSA, 2020).
Santos e Cruz (2019, p. 30) reforçam, ainda, o “equilíbrio emocional, a empatia, a etiqueta pessoal e profissional, o comprometimento e execução, o networking [trabalho em rede] e relacionamento, a sustentabilidade”, entre outras, como competências na gestão de pessoas, relacionadas com a fase atual do mundo, em que um líder deve colocar-se no “lugar do outro, em cumprir compromissos firmados e em cuidar da mente”.
No entendimento de Vieira-Santos et al. (2018, p. 79), toma Salovey e Mayer (1990) por base, a Inteligência Emocional pode, enfim, ser concebida como uma “capacidade de processar informações emocionais de forma acurada e eficiente a partir de processos mentais de reconhecimento e regulação e uso adaptativo das emoções próprias e alheias”: é capacidade da inteligência compreendida como o elemento mais importante que a torna equivalente a um tipo de inteligência, cuja diferença com as demais capacidades “reside no raciocinar sobre as emoções e na utilização das informações emocionais para auxiliar no pensar e no tomar decisões”. Inteligência emocional é, pois, um “conjunto específico de aptidões utilizadas no processamento e conhecimento das informações relacionadas à emoção” (BERTOLDI, 2013, p. 97).
O desenvolvimento da inteligência emocional é capital à gestão das relações interpessoais, porque parte da compreensão e controle das próprias emoções e, ao mesmo tempo, manifesta empatia e respeito pelos sentimentos dos outros. Dessa forma, a IE contribui para aprimorar o controle das emoções e se torna importante ferramenta ao sucesso dentro das organizações, permitindo que as pessoas trabalhem juntas, sem atrito, em busca de um objetivo comum. Pessoas com inteligência emocional desenvolvida tendem a se sentir satisfeitas e eficientes nas suas vidas profissional e pessoal, “dominando os hábitos mentais que fomentam a sua produtividade” (ARRUDA, 2018, p. 48).
Gonzaga e Rodrigues (2018, p. 16) afiançam que inteligência emocional é o principal diferenciador de apoio de competências comportamentais de profissionais e líderes. Mudanças na estrutura das organizações e aumento das atividades compartilhadas e da autonomia das equipes demandam que as “pessoas tenham respostas emocionais, nem sempre positivas ou construtivas”. Não se exigem ambientes “livres de emoções”, mas que as emoções, presentes nos ambientes, sejam controladas porque impactam o desempenho das pessoas: “perceber e administrar emoções, em si mesmo e em outros”, capacita as pessoas a usarem suas competências emocionais na identificação das situações que advogam atenção e maior controle sobre elas, além promover melhor relacionamento com os pares e lideranças. As competências emocionais podem ser aprendidas a partir de coaching ou de programas de desenvolvimento de lideranças, possibilitando ampliar o domínio e uso da inteligência emocional por parte de todos dentro da organização.
Para Vieira-Santos et al. (2018, p 82), o desenvolvimento deste tipo de inteligência tende a amplificar o bem-estar e felicidade das pessoas, ajuda no “enfrentamento adaptativo de situações difíceis, aumentando as chances de êxito e diminuindo a probabilidade de fracasso”. Vale destacar que o aprendizado da Inteligência Emocional é um processo que se inicia com o autoconhecimento (conhecer as próprias emoções e sentimentos), avança para o controle emocional (nem sempre fácil dentro do ambiente de trabalho, constituindo um desafio ainda maior), a automotivação (pilar essencial da inteligência emocional para o alcance de objetivos organizacionais e desejos pessoais, o engajamento no propósito, o aumento da autoconfiança e da autoestima), o reconhecimento das emoções nos outros (capaz de promover empatia por eles), a habilidade de relacionamento interpessoal (interação saudável com os outros e obtenção do melhor proveito da convivência).

A inteligência emocional é um diferencial no mercado de trabalho. Se um colaborador não consegue gerir suas emoções e sentimentos, por mais competente e eficaz que seja ao executar suas tarefas, propende a obter resultados negativos com reflexos em seu trabalho e na organização. Por isso, acredita-se que a inteligência emocional, albergada na capacidade de compreender os sentimentos e emoções de outros indivíduos, de lidar com os próprios sentimentos e de gerir as emoções de forma consciente (administrando medo, felicidade, raiva, estresse, conflitos, ansiedade, euforia etc.), seja a chave para a evolução do negócio e interfere na criação de um clima organizacional positivo e no bom convívio em grupo (respeito, empatia), com repercussões decisivas na produtividade, credibilidade e sucesso do negócio. Algumas sugestões podem ser elaboradas para a construção da inteligência emocional no trabalho: começar com o autoconhecimento, praticar a autoconsciência e incentivar os colaboradores a fazerem o mesmo; gerenciar emoções negativas; criar uma estratégia positiva de controle emocional, evitando atitudes impulsivas; aprender a persuadir o outro sem constranger ou manipular; ser empático, entender suas emoções e as emoções dos outros, colocando-se em seu para melhor entender sentimentos, angústias e necessidades; estar sempre disposto a ouvir com atenção. Por fim, em consonância com Bertoldi (2013, p. 60), é oportuno lembrar que, para a saúde emocional e física, quanto mais satisfação se angariar dos colaboradores, mais retornos haverá em produtividade e se criará uma organização mais competitiva e equilibrada.

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REFERÊNCIAS

 

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