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Escute a ciência, ela pode salvar sua vida!

Doutor em História pela UNESP/Franca, André Luiz da Silva é professor universitário

É, prezado leitor. A situação está difícil de acompanhar. Seu Facebook, como o meu, está parecendo um campo de guerra. No meio de tantas incertezas, o que fazer? Eu sou professor de História, e como tal, posso dizer: você que está lendo este texto é um humano privilegiado, você tem algo chamado ciência para salvar sua vida

No século 6 da era comum, entre 500 mil e 1 milhão de pessoas morreram de Peste Bubônica, chamada de Praga de Justiniano. Isso aconteceu no Império Bizantino. Morriam, no auge do surto, em média 5 mil pessoas por dia. Infelizmente, não existiam cientistas para poder inventar uma vacinaou um tratamento efetivo para o vírus. Os mais sábios não poderiam compreendero que estava acontecendo de fato, ou o que causava as mortes. Sabe leitor, a população naquela época no mundo não chegava a 250 milhões, então podemos dizer que morreram por um vírus entre 2,5% e 5% da população mundial.
No século 14, a Peste voltou, agora chamada de Peste Negra. Após infectar e matar milhares na Ásia, o vírus da peste chegou na Europa e levou aproximadamente um terço da população à morte. As estimativas apontam 25 milhões de vidas levadas pela doença, ou seja, de 25 a 50 vezes mais pessoas que a Praga de Justiniano. As estimativas populacionais apontam que existiam 370 milhões de pessoas durante o início do surto da Peste Negra, ou seja, morreram quase 7% da população mundial. Nesta época, também não existiam cientistas.
Quando os portugueses iniciaram o processo de colonização do território do atual Brasil, aqui viviam por volta de 8 milhões de pessoas. Chamados pelos invasores europeus de “índios”, foram erradicados pouco a pouco. Um dos fatores que levou a morte de milhões foram os vírus trazidos pelos portugueses. As estimativas sobre a mortalidade indígena até 1650 variam de 25% a 96% da população total, dependendo da região estudada. Boa parte das mortes foram causadas pela varíola, sarampo e tifo. Se pegarmos a América Espanhola e somarmos, o número de mortos pela doença aumenta exponencialmente, já que as estimativas populacionais chegam à casa dos 50 milhões de habitantes, morreram de 12 a 40 milhões de pessoas por ação direta dos vírus. A população mundial era de aproximadamente 450 milhões de pessoas, e o surto viral nas Américas levou à morte entre 2,5% e 9% da população mundial. Nesta época não existiam cientistas, nem laboratórios e nem orientações sanitárias.
No século 20, no último ano da Primeira Guerra Mundial(1918), ocorreu o surto de Gripe Espanhola, causada por uma mutação do vírus Influenza. Entre 50 e 100 milhões de pessoas em todo o mundo morreram por conta da gripe, quase o dobro de mortes das geradas pela guerra. Nesse momento, os estudos no campo da saúde sobre os vírus não se comparavam com os de hoje. Faziam apenas três décadas que o biólogo DimitriIwanowsky tinha descoberto os vírus. O que poucos sabem é que a Gripe Espanhola não surgiu na Espanha, pelo contrário, estudos apontam que o surto teve origem nos EUA e se espalhou por meio dos soldados enviados para a Grande Guerra. Para não trazer pânico, o presidente dos EUA Woodrow Wilson proibiua circulação de qualquer notícia na imprensa eo envio de informações aos soldados sobre a doença, o que contribuiu para disseminação. A associação da doença com a Espanha está relacionada pelo fato do país estar neutro no conflito e a imprensa espanhola tratar primeiro do tema para o mundo. No início do século 20, a população mundial era de 1, 6 bilhão e a taxa de mortalidade da Gripe Espanhola foi de cerca de 0,8% a 1,6% deste total. Existiam cientistas, alguns estudos, mas os interesses econômicos e políticos da guerra levaram à morte toda uma geração.

Ainda guardamos na memória o surto do vírus Influenza H1N1. Os primeiros casos ocorreram no México, em 2009, e em poucos meses a gripe já estava disseminadana Europa e Ásia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que se tratava de uma pandemia e uma série de medidas foram adotadas no redor do mundo. Os cientistas desenvolveram naquele mesmo ano de 2009 uma vacina de combate ao vírus. Naquele momento, a população do planeta estava na casa dos 7 bilhões de pessoas. Segundo as estimativas, entre 700 milhões a 1,7 bilhão de pessoas contraíram H1N1. As estimativas das mortes causadas pelo vírus variam de 150 a 520 mil mortos. O pior quadro da doença significou a morte de menos de 0,5% da população mundial. O que mudou?

No século XXI os desenvolvimentos científicos no campo da infectologia, nos estudos sobre os vírus e pandemias são muito mais avançados. Também foram efetivas as ações de instituições, como a OMS, que tem agido na orientação dos Estados, e estes têm seguido as orientações, oferecendo tratamento aos infectados. Sem esquecer a taxa de mortalidade do vírus,que caiu drasticamente por conta das mudanças dos hábitos de higiene, reformas sanitárias e criação de sistemas públicos de saúde pelo mundo.
Sim prezado leitor, você é um privilegiado. Os cientistas de hoje sabem muito, muito, mas muito mais do que os sábios do Império Bizantino, os papas durante a Peste Negra e os presidentes e generais do final da Primeira Guerra. Você pode sobreviver seguindo orientações básicas e ainda contar com os recursos públicos para não morrer de fome. Algo impensável para os indígenas do século XVI e XVII.

O que posso dizer como historiador: siga as orientações dos cientistas, das instituições sérias baseadas nos mais avançados estudos acadêmicos. Lembre-se que os Bizantinos tinham uma fervorosa fé no cristianismo no século 6, os cristãos medievais eram muito mais religiosos que nós, os indígenas também recorreram aos seus deuses, e mesmo assim morreram. Nada freava o vírus, só a distância dos sobreviventes dos contaminados. A fé dava força para suportarem, claro, mantenha sua fé. Mas entenda: a primeira vitória que tivemos contra os vírus para evitar a morte de milhões é graças aos avanços científicos e ações coordenadas pela saúde coletiva

Os anticorpos podem te salvar, claro. Depois de milhões de mortos, por uma questão biológica, podemos ter resistência e foi isso que fez com que mesmo após tantos surtos, ainda estivéssemos aqui enquanto espécie. Mas pode ser que você leitor, ou eu que escrevo este texto, morramos antes de ver este cenário. Ou pior, podemos sobreviver, mas as pessoas que amamos não.
Preste atenção, hoje não precisamos esperar os milhões de mortos, um isolamento forçado pela morte ou uma adaptação lenta do nosso organismo para sair dessa, não concorda? Temos cientistas agora lutando para criar vacinas e tratamentos para imunizar as pessoas. Temos instituições internacionais sérias, efetivas. Podemos superar o Corona Vírus (COVID-19).
Possivelmente nossa espécie sobreviveria à pandemia mesmo sem a ciência, mas com uma diferença: 40 milhões de mortos, no mínimo. Mas, como somos privilegiados e temos a ciência do nosso lado, vamos seguir as orientações dos órgãos de saúde e este número de mortalidade cairá para muitíssimo menos. O vírus Influenza matou de 50 a 100 milhões em 1918 pela falta de orientações de higiene, o mesmo vírus, em uma nova mutação, matou, no pior cenário, 500 mil em 2009. O que mudou?

Não escute pessoas que agem na contramão da ciência. Não importa se são políticos, líderes religiosos ou empresários, se estão contra a OMS estão te condenando à morte. Ciência salva vidas. Siga as orientações, fique em casa quando possível, se não é possível, mantenha distância, evite contatos diretos, use máscara, lave as mãos. Não jogue fora o privilégio que recebeu por ter nascido no século 21. Se você está com medo de sobreviver financeiramente, saiba que eu também estou. Por isso, assim como eu, fique atento aos programas de transferência de renda, comoo Renda Básica Emergencial. Aos mais ricos, os que têm casas, carros, chácaras, fazendas, dinheiro investido… vocês dão conta de sobreviver, eu sei. Mas, em nome dos milhões que morreram pela inexistência da ciência e dos milhares que morreram para que ela existisse, escutem-na

André Luiz da Silva – Doutor em História UNESP/Franca. Professor universitário

 

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